Opinião

Prêmio para delatar crimes revela a incompetência dos governantes

Resguardadas as singulares proporções, a oferta de prêmio de R$ 30 mil reais do governo do Ceará para quem denunciar crimes me lembra do desespero de policiais em desentocar José Jorge Saldanha, o Zé Bigode, de apartamento no Conjunto Residencial dos Bancários, na Ilha do Governador, no Rio de Janeiro, de onde trocou tiros por mais de 10 horas com os agentes da lei. Em dado momento, já na madrugada e depois de centenas de tiros disparados, alguns policiais induziram bombeiros a atear fogo no imóvel, na perspectiva do ladrão de bancos sair da toca. Revidando, ele gritava que “só saio morto”.
 
Participei da cobertura do caso, pelo jornal O Dia, que começou por volta das 20 horas e terminou na manhã do dia seguinte, com Zé Bigode, morto com vários tiros. O tiroteio resultou ainda na morte de três policiais e outros quatro feridos, além da quase total destruição do prédio por granadas e mais de três mil tiros disparados de variados tipos de amas. O acontecimento cinematográfico, ocorrido no início da década de 1980, na época da ditadura civil militar (1964-1985), acabou nas telas de cinema com o título de Quatrocentos contra um.
 
A total insegurança da população no Ceará reflete o que acontece em todas as metrópoles do Brasil, como, também, em centenas de cidades interioranas. Desde sempre, as forças policiais que são custeadas com o dinheiro de impostos nunca foram capacitadas realmente para garantir a ordem pública e combater crimes. Prova incontestável dessa realidade está demonstrada em envolvimento de policiais nos mais diversos tipos de crimes que faz refém a sociedade, entregue à sorte do deus-dará.
 
Governador do Ceará oferece prêmio em dinheiro, fruto de impostos, para transformar cidadãos em delatores. (Crédito da foto: Divulgação)
Governador do Ceará oferece prêmio em dinheiro, fruto de impostos, para transformar cidadãos em delatores. (Crédito da foto: Divulgação)

A atitude do governador Camilo Santana, que recebe salário dos impostos pagos pela população, assim como os deputados, os vereadores, os juízes e os militares, de premiar com até R$ 30.000,00 o cidadão que denunciar aqueles que têm praticado atentados é de desespero. Ele não é o único que atesta incompetência com esse ato, espalhado como praga e praticado por todas as gestões administrativas do país sob o título de Disque-Denúncia.

 
O decreto assinado pelo governador que regulamenta a delação, que ganhou manchetes em jornais do Norte e Nordeste, principalmente, promete premiar a quem levar a polícia a elucidar crimes cometidos; à denúncia de fatos ou atos preparatórios ao cometimento de crimes, evitando a consumação da ação delituosa; à delação de pessoas procuradas pelos órgãos de segurança ou contra as quais exista ordem de prisão; e à delação de identificação e localização de bens móveis ou imóveis pertencentes a membros de organizações criminosas. Cidadão não tem que fazer papel de polícia.
 
Os atentados ocorridos em dezenas de cidades cearenses e que já resultam em centenas de pessoas detidas, dizem as chamadas autoridades incompetentes, estão sendo orquestrados do interior de prisões. E, tentando evitar a continuidade das ocorrências destruidoras, buscaram transferir os líderes de organizações criminosas para presídios de segurança máxima. Segurança máxima? Os presídios no Brasil estão infectados e abarrotados com mais de 720.000 pessoas em condições precárias, que não contribui para ressocializá-las para retorno à sociedade.
 
Tentar cooptar as pessoas como alcaguetes oferecendo premiação com dinheiro público, arrecadação de imposto que nós, cidadãos, somos forçados a pagar com os olhos da cara por tudo que necessitamos para garantir as condições essenciais de vida, é ato de covardia. Camilo e os demais governantes tem que honrar os cargos públicos que assumiram como representantes do povo, sem querer transformar cidadãos em cúmplices de suas incompetências.
 
Dinheiro público não é para pagar delação. É para a educação, saúde, habitação, cultura, lazer, entre outras necessidades de sobrevivência e de bem estar social. É o dever e obrigação do Estado.
 
LENIN NOVAES* é jornalista e produtor cultural. Co-autor do livro Cantando para não enlouquecer, biografia da cantora Elza Soares, com José Louzeiro. Criou e promoveu o Concurso Nacional de Poesia para jornalistas, em homenagem ao poeta Carlos Drummond de Andrade. É um dos coordenadores do Festival de Choro do Rio, realizado pelo Museu da Imagem e do Som - MIS

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