Belo Horizonte - Conta se que em uma ilha deserta vivia uma pequena comunidade e para esses moradores terem contato com o mundo exterior utilizavam como meio de transporte um velho e charmoso barco de madeira. Grande parte naquele povo não saía de sua zona de conforto, passava os dias sem nenhuma busca de algo além daquilo que estava em sua volta, pois naquele meio conseguia sobreviver. E isso era o que importava. Claro.
Frequentemente aqueles moradores mais audaciosos, principalmente o condutor do barco, pensavam em maneiras de melhorar o desenvolvimento no seu meio de transporte - o útil e salvador barquinho, pois este precisava de alguns reparos. Para que isso fosse colocado em prática procuram contactar o governante responsável pela ilha e pelo barco. Surpreendentemente descobriram que além do amável barco o governante comandava aproximadamente três mil barcos parecidos com aquele. Sem contar que havia um número bem superior a este que o tal governante fazia parceria com outros governantes para que ninguém ficasse desprovido de transporte. A essa altura o transporte gratuito e de qualidade para todos já se tornava lei. Tanto naquela ilha, como em mais de cinco mil existentes. Número de barco então, passa de de cem mil.
Embora o governante tivesse milhares de barcos para se dedicar propôs auxiliar aquela comunidade com modernização daquilo que era mais precioso para a interação com outras comunidades. Imediatamente estruturou todo o barquinho com aquilo de melhor que um barco poderia receber. Ordenou que fossem preparados, por meio de etapas rigorosas em concurso, novos auxiliares para se juntarem e buscar o melhor funcionamento daquele meio de transporte. E assim aconteceu a chegada de mais integrantes, dentre eles um que em pouco tempo de trabalho ali só pensava como faria para assumir o timão. Confidenciava com alguns de seus pares que após assumir o comando todos os componentes viveriam em harmonia total, indo bem além da então existente. Ele queria a qualquer custo aquele mando. A ponto de abrir mão de propostas bem mais agradáveis financeiramente.
O chofer oficial há anos naquele comando era muito querido pelos passageiros e por toda a tripulação. Ele se alegrava com a travessia de cada passageiro e com o bem estar de todos na embarcação, procurava tratar cada ente de maneira ímpar e respeitosa, sem se apossar do bem público em seu proveito ou de seus escolhidos.
Após alguns anos de trabalho do então condutor do barco este precisou se ausentar de maneira definitiva e com isso alguém precisava tomar a direção. Não sobrou espaço para a discussão sobre quem assumiria a cadeira deixada, pois aquele auxiliar sonhador se colocou à frente e para evitar o fim daquela harmonia que sempre existiu, ninguém se opôs publicamente a sua decisão.
Imediatamente o novo comandante tratou-se de desfazer de alguns auxiliares que não te agradavam em sua vida pessoal. Dava regalias e proteção para os seus amigos e criava dificuldades de permanência para aqueles que não eram de sua simpatia. Dizia que era listo com o trato aos colegas, mas julgava os como desprovidos de inteligência. Amém que nem todas as dores matam.
Alguns novos integrantes efetivados no governo, mal conseguiam permanecer naquele barco por uma jornada mínima necessária que a lei exigia para que pudessem ir para outro barco. Seus substitutos no barco seguiam a mesma sina, pois o soberano parecia sentir prazer em dificultar a vida de algumas pessoas. Aqueles que insistiam e ali ficavam sofriam como sovaco de aleijado. Deus do céu!
Desse modo o poderoso chefão continua agindo de acordo sua predileção, pois nenhum dos auxiliares aspira a roda do leme do amável barco. E assim o rei avalia seus escolhidos com nota máxima possível e os renegados comem o pão que o diabo amassou.
Embora se julgue e aja como o poderoso, mal sabe ele que seu posto não representa nada diante do universo de poder. Estando a frente de um caíque o seu comportamento demonstra iníquo, imagine se algum dia seja ele o capitão de um navio? Corre o risco de exigir que o mar mude de endereço.
*Júlio Couto é professor na rede pública de ensino em Minas Gerais, com graduação em Letras pela PUC Minas.
Comentários
"Pau que bate em Chico, não bate em Francisco"... No Brasil, infelizmente , quando se trata de deveres , direitos e trato com o outro, acontecem malabarismos e contorcionismos inacreditáveis. Existem benefícios para alguns e massacre para outros, muitas vezes sem motivo algum. Seria muito mais inteligente, todos juntos ajudarem na condução do barco. Triste saber que o egoísmo , o protecionismo, o preconceito e o ego do comandante imperam, não sobrando outra alternativa: o barco fica à deriva e os tripulantes perdem a vontade em fazer esse meio de transporte ganhar o mundo.