Coluna

VIDA DE HERÓI

Volta e meia a mídia noticia a separação de um famoso ou famosa. Todos sabem que famoso ou famosa é uma dita celebridade. De algum tempo para cá, não se diz mais uma pessoa famosa, mas, simplesmente, um famoso ou famosa. O fulano, famoso, foi visto trocando a bateria do seu carro na rua tal; a fulana, famosa, foi vista saindo da água na praia de Ipanema ou Itamaracá; a famosa coloca um nudes no Instagran e enlouquece os fãs e as fãs, e o famoso também enlouquecendo os seus.

Novos heróis modernos, a plateia vibra vendo a luta de seus ídolos contra os seus mesmismos da vida. Mesmismo: esse dia a dia monótono que eles enfrentam, não com as nossas armas, mas com as armas deles, mais poderosas, atuantes e justificadas, pensamos nós. E nos cabe perguntar, como os heróis das histórias de fadas não comem, darão faxina nas casas, terão sempre pessoas à disposição ou ficam como nós a perguntar a um amigo ou a uma amiga se conhecem uma boa funcionária? Quem sabe estará inclusa no salário a prerrogativa de ser um funcionário de famosos.

HEROI
Foto: Javier García en Unsplash - 

Há, também, a separação do famoso A com a famosa B, ou então do famoso B com a não tão famosa A e seus vices e versas, afinal nem tudo são flores. Esses novos heróis ou heroínas fazem casamentos de príncipes e separações burlescas, algumas envolvidas em escândalos, traições e alguns se tornam apenas bons amigos; uma atitude civilizatória, exemplos e coisa e tal...

Um herói é um arquétipo que transmite sabedoria, humildade, enfim, um exemplo edificante. Serão esses os heróis modernos?

Exibem-se nas telinhas de televisão, nos espaços de teatros e cinemas e são lidos, devorados, através dos noticiários de revistas de fofocas e muitos publicam e são lidos, estão entre os best-sellers. Depois do casamento, das separações fazem o quê?

Heróis, como os conhecemos nos livros de histórias e na literatura, não têm uma vida privada que possa ser desmembrada, exposta. O que fez o príncipe encantado que levou a Branca de Neve, a Gata Borralheira? Como ficou a vida da Bela, ao desencantar a Fera? Como passaram a viver os Sete Anões? E as bruxas malvadas? Foram infernizar a vida de outros? Não é ser sectário, pois nunca li sobre a existência de bruxos malvados a infernizar a vida de rapazes aprisionados.

Heróis modernos ou figurações de heróis?

O dia a dia é uma batalha sem fim. No nosso mundo pós-moderno ou o que isso queira lá dizer, os heróis são necessários? Herói ou heroína é voltar depois de um dia de trabalho e encontrar a casa desarrumada, roupa espalhada, cozinha até o alto de panelas, depois de um dia inteiro a arrumar outra casa que não seja sua; enfrentar o chefe, os colegas de trabalho numa disputa acirrada por uma promoção e encontrar o seu castelo com uma mulher ou um homem insatisfeitos com a vida que levam, retemperando reclamações no cérebro para descarregar a frustração no companheiro, e depois arrumar a casa, porque não tem faxineira e alguém, afinal, tem que ser herói para encarar.

Heróis modernos que se lançam pelas ruas a carregar nos braços um companheiro, companheira, filhos, pais, avós na busca desenfreada contra o dragão dos hospitais cheios e despreparados, tomando o lugar da vez daqueles que desistiram há muito de ser heróis e gostariam apenas de ser coadjuvantes, observadores de outros heróis.

E assim os famosos, longe dos holofotes, com suas caras limpas e seus sorrisos, andando sérios pelas ruas, a conferir preços nos supermercados, a se impacientarem com os filhos que não os veem como famosos, mas apenas pais e mães com suas falhas e defeitos.

Gostariam eles de ser os heróis em que espectadores lhes vestem fantasias, querendo viver a vida que a realidade não permite, exibindo sorrisos inventados, mesmo quando há vontade de chorar.

Definitivamente, não se faz herói como antigamente, se é que eles, algum dia, existiram.

Nilson Lattari

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Crônicas e Contos

NILSON LATTARI é carioca e atualmente morando em Juiz de Fora (MG). Escritor e blogueiro no site www.nilsonlattari.com.br, vencedor duas vezes do Prêmio UFF de Literatura (2011 e 2014) e Prêmio Darcy Ribeiro (Ribeirão Preto 2014). Finalista em livro de contos no Prêmio SESC de Literatura 2013 e em romance no Prêmio Rio de Literatura 2016. Menções honrosas em crônicas, contos e poesias. Foi operador financeiro, mas lidar com números não é o mesmo que lidar com palavras. "Ambos levam ao infinito, porém, em veículos diferentes. As palavras, no entanto, são as únicas que podem se valer da imaginação para um universo inexato e sem explicação".

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