Rio de Janeiro - Em uma entrevista que fiz com a cantora Luiza Possi, para o “Jornal do Rádio” , ela, encantada, me mostrou a letra de um poema que sua mãe, Zizi Possi, tinha gravado no álbum “Amor & Música”, de 1987. Era “Noite”, de um poeta baiano chamado Jorge Salomão.
“Eu fico quieta num canto,
penso medito e me espanto
A vida dá voltas, mistérios,
o que é que eu vou fazer?
Sozinha num quarto fechado,
eu vejo cidade de longe,
Procuro alguém que se esconde
por onde começar ?
Noite, há horas te espero e você não chega em meu coração
Fogo aceso, corpo paixão, sou toda explosão.”
Foi assim, meu primeiro contato com a obra do poeta Jorge Salomão, morto no início deste ano.
Eu já conhecia o poeta e letrista Waly Salomão, irmão de Jorge, mas, confesso, não conhecia o poeta nem sua extensa obra.
O poema, musicado pelo Nico Rezende, fez grande sucesso e catapultou o poeta baiano para o “rol dos “queridinhos” da MPB; tendo músicas gravadas por Roberto Frejat, Marina Lima, Adriana Calcanhotto, Cássia Eller, Barão Vermelho, Zizi Possi e Zé Ricardo, entre outros.
Jorge Salomão nasceu na Bahia, em 1946. Iniciou a carreira no teatro, onde foi aluno de Luiz Carlos Maciel, o guru da contracultura de "O Pasquim”.
Dirigiu várias peças teatrais em Salvador, entre as quais "O Macaco da Vizinha", de Joaquim Manuel de Macedo; "A Boa Alma de Setsuan", de Bertold Brecht; e ainda diversos shows musicais, entre os anos de 1967 e 1969.
Jorge se mudou para o Rio de Janeiro em 1969 e, ao lado de Waly e de Torquato Neto, foi presença marcante na cena cultural da cidade.
Naquela época, trabalhou na revista “Navilouca”, criada por Waly e Torquato Neto e dirigiu o espetáculo “Luiz Gonzaga volta pra curtir”, no Teatro Teresa Raquel.
Figura atuante na “Tropicália”, o engajamento político custou caro ao poeta. No final dos anos 60 Jorge foi preso e torturado em São Paulo, pela Ditadura Militar.
Traumatizado, Jorge se mudou com a mulher para os Estados Unidos. Em Nova York, durante o auto-exílio - de 1977 a 1984 -, Jorge participou de várias experiências em vídeo e performances e conviveu com artistas como Nicolas Cage, Andy Warhol e o poeta Allen Ginsberg que “piraram” ainda mais sua cabeça.
De volta ao Brasil, colaborou com textos e produções para vários jornais e revistas brasileiras. Ele ainda produziu capas de discos para Caetano Veloso, Marina e Lobão e serviu de inspiração para a canção “Jeca total”, de Gilberto Gil.
Em dezembro de 2019, o poeta lançou o livro “7 em 1”, uma antologia de poemas e textos editada pela Gryphus, e preparava um livro sobre o irmão - morto em 2003 - em cujo título provisório seria “Duas ou três coisas que sei dele” ou “Waly, Waly!”.
Nélida Piñon escreveu sobre o poeta, na orelha de seu livro “7 em 1”:
"Ele capta o sentido da poesia no seu texto, na sua própria arte. É um homem luminoso que ama os seres, que ama as palavras, e que vai ao holocausto por elas."
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