“O autor de HQ é cineasta, roteirista, e diretor.”
(Arnaldo Albuquerque)
Rio de Janeiro - Outro dia, o jornalista piauiense Kenard Kruel, me ligou e perguntou: “por que você não escreve sobre o cartunista Albert Piauhy?”
Fui lá.
Mergulhando na história do Piauhy, encontrei um contemporâneo seu, que logo me impressionou. Era Arnaldo Albuquerque.
Inteligente, ousado, rebelde, inquieto, criativo, contestador e provocador, Arnaldo foi um seminal artista piauiense de grande talento. O primeiro hippie, o primeiro "beat" de Teresina. Mas, apesar do talento e de tudo o que fez pela arte e a cultura do Piauí, nunca teve o devido reconhecimento. Hoje, mesmo no Piauí, muita gente não lembra mais dele.
Arnaldo foi o primeiro artista multimídia do Piauí. Já era multimídia antes de inventarem a palavra. Foi quadrinista, chargista, artista plástico, ator, fotógrafo, cinegrafista, jornalista, contista, editor, produtor e agitador cultural.
Arnaldo Albuquerque, Albert Piauhy e Kenard Kruel - guardadas as proporções, Jack Kerouac, Allen Ginsberg e William Burroughs da "geração beat piauiense" -, eram os principais nomes da contracultura no Estado. Criaram um movimento cultural originado nos anos 70, formado por um grupo de jovens artistas e intelectuais que se reuniram com o objetivo de se expressarem livremente e contarem sua visão do mundo e suas histórias.
Queriam falar do cotidiano e criticar as questões sociais e culturais, em plena Ditadura Militar. Esses jovens começaram a produzir desenfreadamente, muitas vezes movidos a drogas e álcool.
Com desenhos inspirado em Robert Crumb e Gilbert Shelton, Arnaldo foi o primeiro quadrinista do Estado, e o primeiro chargista. Foi, também, o pioneiro no uso da animação em seus desenhos e também da “indústria cinematográfica” piauiense.
Fez suas primeiras projeções em caixa de sapato. Filmou a película em que Torquato Neto - outro vanguardista piauiense - atuou junto com Claudete Dias: “Adão e Eva do Paraíso ao Consumo” filme em Super-8 - preto e branco -, de 1972, que, infelizmente, extraviou-se em Londres. Entre suas animações destacam-se: “Carcará Pega Mata e Come” (1976), “Vã-Pirações” e “Mergulho”.
Em 1966, Arnaldo veio para o Rio de Janeiro e conheceu “O Pasquim”, jornal que se tornaria referência nacional para os demais jornais alternativos que surgiram em vários cantos do país, inclusive para os piauienses “Chapada do Corisco” e o “Gramma”.
No início da década de 70, de volta a Teresina, Arnaldo começou a publicar nos jornais “O Estado”, “Hora Fatal” “O Pasquim”, “Jornal da Manhã”, “Chapada do Corisco”, e “O Dia”.
Em 1977, criou “Humor Sangrento”, a primeira revista de história em quadrinhos underground, do Piauí. A revista, uma crítica social e aos costumes na década de 70, trazia na capa do primeiro número, os personagens da cultura norte-americana em frente a um pelotão de fuzilamento. A revista virou peça de colecionadores e estudo nas universidades.
As ilustrações de Arnaldo também estão presentes em inúmeras capas de livros e cartazes de eventos que foram premiadas no Brasil, Argentina e México.
Participou de exposições no Salão de Verão do Museu de Arte Moderna, do Rio de Janeiro, em 1971; na UMC de Teresina, em 1971; na Biblioteca Central da UFPI, em 1974; no IV Salão de Artes Plásticas de Teresina, em 1979; no Salão Internacional de Humor do Piauí, em 1982, entre outros.
Alcoólatra, Arnaldo passou anos sem desenhar, entregue a bebida. Kenard pediu ao Albert Piauhy para fazer a capa da segunda edição do livro "História da Imprensa no Piauí", de Celso Pinheiro Filho; Piauhy disse que só faria se Arnaldo ilustrasse o livro, fazendo a caricatura dos personagens.
De início, Arnaldo não queria fazer, já tinha abandonado o desenho, e estava entregue ao vício. Mas Arnaldo era muito generoso, não sabia dizer não aos amigos, nem cobrava pelos serviços. Durante dois anos, incentivado pelo Kenard - que praticamente se mudou para sua casa -, Arnaldo se dedicou a ilustração do livro. No começo, com as mão trêmulas, relutantes e inseguras. Mas o artista venceu o vício, ao menos momentaneamente, e o livro ficou pronto. Uma verdadeira obra de arte.
Graças ao sobrinho Bruno Baker - bibliógrafo e arquivista de Arnaldo Albuquerque -, boa parte da biblioteca e das obras do artista está preservada.
Arnaldo que enfrentava problema de alcoolismo e era diabético, morreu numa tarde de quinta-feira, 8 de janeiro de 2015, aos 62 anos, vítima de complicações em decorrência de uma cirurgia.
Virou papel e tinta. Para sempre.
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