“O quadrinho é o cinema feito à mão. Tu é o roteirista, tu é o câmera, tu é o figurinista, o maquiador, o iluminador, é tudo.” (Edgar Vasques)
Rio de Janeiro - Toda cidade grande que se preza, tem os seus “Três Mosqueteiro do Humor”. São os guerreiros tragicômicos do traço.
Porto Alegre também tem os seus. Para mim, os Três Mosqueteiros gaúchos - que, como no romance do escritor francês Alexandre Dumas, são quatro - são, Luis Fernando Veríssimo, Canini, Santiago e Edgar Vasques.
Eu sei, é difícil escolher quatro artistas numa cidade que tem, além desses, gente de talento como Rafael Corrêa, Bier, Gilmar Fraga, Moa, Iotti, Latuff, Spritzer, Fabiane Bento Langona, Mauren Veras, Samanta Floôr, Julia Hauser, Lidia Brancher, Vicente Marques, Dóro, Elias, Alexandre Beck, Alisson Affonso, Bruno Ortiz, Edu, Eugênio, Gui Moojen, Hals, Kayser, Koostela, Nik, Schroder e Uberti e muitos outros.
Como sou fã do “Rango”, personagem do Vasques, fomos, eu e a Sheila, na Galeria Hipotética, no centro de Porto Alegre, onde Vasques lançou “Crocodilagem - O Brasil visto de Baixo”, seu 17º livro, que reúne 143 tiras do icônico personagem. Levamos o livro.
Edgar, que inteiro é Edgar Luiz Simch Vasques da Silva, nasceu em Porto Alegre, no dia 5 de outubro de 1949.
Filho de uma professora do jardim de infância e de um funcionário público, Vasques tem cinco irmãos - todos homens.
Fez seu primeiro desenho, uma ilustração sobre futebol para a capa de um carnê do campeonato gaúcho, aos 14 anos.
Ainda estudante, em 1968, começou a trabalhar como chargista de esportes no jornal “Correio do Povo”.
Num contexto de forte censura à imprensa, em 1970, criou para a revista “Grillus”, da Faculdade de Arquitetura, uma série de quadrinhos com o personagem Rango, um sujeito sujo, esfomeado, descabelado, barriga inchada, que, em plena Ditadura Militar, ironizava a miséria crescente, a propaganda oficial do governo, a alienação e a desigualdade social brasileira.
“Os temas das tirinhas, desde o começo, eram a fome e a miséria. Eu via a miséria na rua, no começo dos anos 1970, mas ninguém falava nisso. Era o Brasil grande; corrente pra frente; a ditadura eufórica; Brasil tricampeão do mundo; e a miséria ali, crescendo. Eu me apavorei com aquela situação, achei um absurdo aquilo, era uma situação kafkiana, em que não batia a realidade com a narrativa”, diz.
No lixo, onde passa a maior parte do tempo, Rango tem a companhia de outros personagens, como o seu filho, um menino de rua sem nome; Boca 3, um cachorrinho falante; Chaco, um índio latino-americano sem teto; Baba, um bêbado; e Cândido, o perguntador.
Em 1972, já na “Folha da Manhã”, Vasques foi convidado pelo editor-chefe, Elmar Bones, para cobrir as férias do então jovem e promissor cronista, Luis Fernando Verissimo.
"Cometi umas três ou quatro crônicas, mas me lembrei do Rango, porque ele tinha feito um certo sucesso no campus, e resolvi apostar no jornal também", relata.
E assim, Rango apareceu pela primeira vez na grande imprensa, e, como fez muito sucesso, o personagem ganhou espaço próprio na página de quadrinhos do jornal.
O primeiro livro com as tiras do Rango, com prefácio de Érico Veríssimo, foi um dos livros mais vendidos em 1974.
Depois do fechamento da “Folha da Manhã”, o Rango e outras tiras de Edgar Vasques apareceram em “O Estado do Paraná”; “Correio de Notícias”, (Curitiba); “Diário do Sul”, (Porto Alegre); “Artes Visuales”, (México); “Charlie Mensuel”, (Paris); além de publicações alternativas como “O Pasquim”; “Versus”; “Ovelha Negra” e “Coojornal”, entre outros.
Em 1976, Ziraldo encomendou ao gaúcho uma série de tiras. Vasques, então, decidiu brincar com uma imagem que representava o símbolo dos militares na ditadura: três pombas brancas com as cores azul, amarela e verde, voando. "Aí, eu fiz um guri imaginando elas assando”, diz.
Outra tirinha, era um personagem perguntando para o guri como é que ele estava, daí ele respondia que estava azulado de fome, amarelado de icterícia e esverdeado de raiva", explica.
Dias depois, ele leu nos jornais que haviam apreendido o Pasquim nas bancas de todo o País. Na hora, Vasques fez a associação relacionada à sua tirinha, confirmada mais tarde pela intimação que recebeu para depor na Polícia Federal.
Jaguar, editor na época do Pasquim, foi interrogado no Rio de Janeiro, e Vasques, o autor dos quadrinhos, em Porto Alegre. "Queriam nos enquadrar na Lei de Segurança Nacional, mas não tinham base para isso. No fim, foi arquivado o processo", conta.
No final dos anos 1980, Edgar Vasques, junto com outros cartunistas gaúchos, criou a Grafar, associação de Artistas Gráficos do Rio Grande do Sul.
Depois de décadas trabalhando como empregado em jornais e revistas, Vasques voltou a viver de trabalhos autônomos. Trabalha, diariamente, em seu ateliê, montado nos fundos de sua casa, no bairro Petrópolis, vizinho à casa do amigo Luís Fernando Veríssimo, em Porto Alegre.
Comentários