Na praça redonda de Alucard, ainda à noite do domingo de 8 de outubro, após o resultado das eleições que colocaram na disputa de 2º turno os candidatos à Presidência da República Fernando Haddad (PT) e Jair Bolsonaro (PSL), o clima prenunciava uma guerra.. Bem em frente à principal rua do comércio da cidade estava os correligionários de Haddad e, do outro, à direita do principal supermercado, os adeptos de Bolsonaro. Agitando enorme bandeira do PT, Oscarino provocava os adversários gritando que o capitão da reserva, junto com o vice, o general da reserva Mourão (PRTB), (ambos do Exército), iria exterminar os gays. Em resposta, Lia berrava que Alucard teria muitas viúvas, pois homens casados eram gays enrustidos, escondidos em armários.
- E agora, Athaliba?
- Como, o que, quando, por que, onde, Marineth?
- Como vai ficar essa situação? Os ânimos estão acirrados.
- Bem, Marineth, a tendência é a temperatura entrar em ebulição. Na Bahia, o mestre de capoeira Romualdo Rosário da Costa, o Moa do Katendê, foi morto com 12 golpes de faca pelas costas por Paulo Sérgio Ferreira de Santana. Na discussão política, ele, que é cantado “moço lindo do badauê” na música “Beleza pura”, de Caetano Veloso, disse que era contra o candidato Bolsonaro. Isso bastou para o crime ser consumado. Moa era dançarino, percussionista, artesão e compositor do Ilê Aiyê, maior dos blocos afros da Bahia, além de fundador dos afoxés Badauê e Amigos do Katendê.
- Pois é, Athaliba. O trem é doido. Em Alucard, aliados do PT e do PSL se digladiam nas redes sociais. É torpedo trocado prá lá e prá cá, com ofensas à mãe do padre. E no Rio, a transexual Julyanna Barbosa, ex-vocalista do Furacão 2000, foi agredida a socos, pontapés e a golpes de barra de ferro por apoiadores do candidato do PSL aos gritos de “olha o tamanho do viado! Bolsonaro tem que ganhar para tirar esses lixos da rua”. A transexual que mede 1,95 de altura tomou satisfação e entrou na porrada.
- Sabe, Marineth, nós estamos numa encruzilhada. O desafio de Haddad é superar a vantagem do adversário, que larga na frente. Bem diferente do início dos anos 2000, quando Lula descumpriu as propostas do chamado Programa de 100 Dias, planejado por um conselho político integrado pelos cinco partidos da coligação (PT, PCB, PDT, PCdoB e PSB) e “optara pela governabilidade, assumindo o balcão de negócios para, no toma-lá-dá-cá, garantir uma maioria parlamentar contra a centro-direita”, o professor Haddad tem que se agigantar perante a nação como imbatível liderança para mudar o curso da história. Não é fácil resgatar aquela ocasião histórica para promover, agora, respaldado em mobilização popular, as mudanças progressistas e com aspectos anti-imperialistas pelas quais a esquerda genuína luta tanto.
- Athaliba, tá distante e fora do alcance da memória das pessoas minimamente articuladas aquele momento jogado no lixo.
- Não é bem assim, Marineth. Mas, vamos em frente, seguindo o provérbio “a cavalo dado não se olha os dentes”. Como em Alucard o pau está comendo, literalmente, o momento é cabível para abrir os ânimos com Amor em pedaços, receita de um dos doces mais gostosos do planeta, e que dá título ao poema referente à cidade do poeta Antônio Crispim.
Para além das linhas do horizonte do Atlântico
Deixas-te destroçado meu coração romântico.
Busco, em poemas, exteriorizar a tua saudade,
Tão Intensa, num misto de tristeza e felicidade.
Cá, na grande Lisboa, ouço tua voz em cântico,
Sussurrando doces palavras de amor quântico.
Oh! Querida, evite ter de mim apenas piedade,
Pois do nosso romance só carrego afabilidade.
E prova disso são 10 mil poemas a ti dedicados,
Preenchendo as lacunas de tempos lembrados
Que alimentam as veias dos meus sinais vitais.
Os sentimentos não posso, creia, renunciá-los,
Como possível fosse negar o que houve lá traz,
Deixando amor em pedaços azedar em Cascais
*Lenin Novaes, jornalista e produtor cultural. É co-autor do livro Cantando para não enlouquecer, biografia da cantora Elza Soares, com José Louzeiro. Criou e promoveu o Concurso Nacional de Poesia para jornalistas, em homenagem ao poeta Carlos Drummond de Andrade. É um dos coordenadores do Festival de Choro do Rio, realizado pelo Museu da Imagem e do Som - MIS.
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