- Marineth, a Mangueira sequer pagou placê no desfile de 2024. Amargou o 7º lugar, com o enredo A negra voz do amanhã, homenagem à cantora Alcione. A classificação demonstrou a insatisfação de uma parcela dos componentes da verde-e-rosa, contrária ao tributo à artista. Para tal segmento, Leci Brandão é que deveria ser homenageada, pois tem mais pertencimento à agremiação. No desfile de 2025, a escola quer dá a volta por cima, com o tema À flor da terra - no Rio da negritude entre dores e paixões. Será que conseguirá dar a volta por cima? Será?
- Athaliba, por uma questão de ordem, antes de tudo, por favor, explique o que significa aquela expressão, quando ocê diz que a Mangueira sequer pagou “placê”. O que quer dizer isso?
- Marineth, placê é um termo do turfe, corrida de cavalo. É quando o apostador ganha se o cavalo vencer a corrida, portanto, chegar em 1º lugar, e, ainda, em 2º lugar. Mas, o pagamento da aposta tem retorno menor. Diferente da aposta cravada no vencedor, ou seja, quando é dirigida a qual cavalo chegará em 1º lugar. Entende? O turfe tem regras específicas e seus próprios termos e vocabulário. Foi criado na Inglaterra. Movimenta muito papel bordado, dinheiro. Às vezes deixa o apostador “depenado”, com perda de propriedade e de outros bens, empenhados em apostas.
- Bem, Athaliba, comenta, agora, o enredo no qual a Mangueira poderá dá a volta por cima.
- Marineth, ocê precisa saber que a Mangueira reestruturou parte da equipe do Carnaval, após demitir os carnavalescos Guilherme Estevão e Annik Salmon. Autores do fiasco do tema de 2024. Manteve o 1º casal de mestre-sala e porta-bandeira, Matheus Olivério e Cintya Santos, sob a coreografia de Celeste Lima. Continuam os mestres de bateria Rodrigo Explosão e Taranta Neto; os diretores musicais Victor Art e Digão do Cavaco; e os coreógrafos Karina Dias e Lucas Maciel, que atuam na Comissão de Frente.
- Então, Athaliba, quem é o carnavalesco?
- Marineth, ele é estreante no Carnaval do Rio. Trata-se do economista Sidnei França. Ele é filho de uma passista do Grêmio Recreativo Cultural Escola de Samba Mocidade Alegre. E tem no currículo cinco títulos com aquela agremiação e um pela Águia de Ouro. Ambas as escola de São Paulo. Frequenta escola de samba desde os dois anos de idade. Em 2003, aos 23 anos, assumiu a Comissão de Carnaval e passou a assinar os temas da agremiação por quatro anos. E atuou na Unidos de Vila Maria, desenvolvendo projeto marcante em 2017.
- Ele tem bagagem, né, Athaliba? Mas, sabe como é: a Mangueira é uma escola exigente. E como o carnavalesco pretende desenvolver o enredo?
- Marineth, o carnavalesco afirma que pretende mostrar a presença dos povos bantus na Cidade do Rio de Janeiro. Os bantus, agrupamento linguístico da África, representaram a maioria dos negros que desembarcaram de forma violenta no Caís do Valongo. No porto passou cerca de um milhão de africanos escravizados, em quase 40 anos, tornando-o o maior receptor de escravos do mundo. Durante os mais de três séculos de regime escravagista, o Brasil recebeu aproximadamente quatro milhões de africanos escravizados.
- Athaliba, a abordagem dos africanos escravizados do núcleo bantus, concentrados numa única área territorial, ou seja, no Rio de Janeiro, pode facilitar o desenvolvimento do enredo, né?
- Pode sim, Marineth. Mas, a contextualização do tema exige perspicácia do carnavalesco para convencer o público e os jurados no sambódromo. França diz que “o entendimento da nossa terra revela a verdade sobre corpos assolados pelo apagamento de sua identidade preta. A alma carioca, atrevida por essência e banhada da ancestralidade bantu, é forjada por tantas dores e paixões, carregando na memória a cruel violência, mas, também, as experiências revolucionárias de liberdade, que nos ensinam a desafiar a morte, celebrar a vida e fazer carnaval”.
- Athaliba, a minha curiosidade é saber como o carnavalesco vai traduzir esse contexto em fantasias, alegorias, adereços, etc. e tal. E o samba tem que seduzir os componentes a cantar.
- Marineth, o França revela que o enredo é oriundo de dissertação de mestrado que um amigo o expôs e pelo qual se apaixonou. Diz-se ligado às questões identitárias, às questões da historicidade preta. E propôs o desafio à Mangueira. Fala de o enredo discorrer com o passado e com o presente ao tempo inteiro. Afirma que “é uma maneira de interpretar esse Rio de Janeiro caótico, entre a violência e os prazeres, entre as dores e as paixões”. Bem, que a Mangueira possa empolgar no desfile de ponta-a-ponta e, como na corrida de cavalo, pagar “poule” de 10.
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