Rio de Janeiro - Já dividi esse espaço aqui, no jornal “O Dia”, com grandes jornalistas. Entre eles, Jaguar, Luís Pimentel e Aldir Blanc.
Sim, ele mesmo, Aldir Blanc, o poeta, músico e compositor de muitas das mais belas canções da MPB.
Não vou falar aqui do autor de “Kid Cavaquinho”, “Dois pra lá dois pra cá” e “O Bêbado e o Equilibrista”, pois sei que o compositor dispensa apresentações.
Vou falar do Proust de Vila Isabel - epiteto que Aldir recebeu do Jaguar, nos anos 70, graças a sua habilidades com as palavras - jornalista, escritor e cronista dos mais respeitados da crônica brasileira.
Nascido no Estácio, na rua Pedreira, aos três anos mudou-se para Vila Isabel e depois para o bairro da Muda, na Tijuca, Rio de Janeiro.
Aldir era médico psiquiatra. Um dia, deu um pé na bunda de Freud, Jung e Lacan e mergulhou no mundo da boemia, da prosa e da poesia.
Melhor para nós.
Publicou vários livros, entre os quais "Rua dos Artistas e Arredores", 1978; "Porta de tinturaria", 1981; "Brasil passado a sujo", 1993; "Vila Isabel - Inventário de infância", 1996 e "Um cara bacana na 19ª", 1996), entre outros.
Alguns foram relançados pela Mórula - com primorosas capas desenhadas pelo cartunista Allan Sieber - recentemente, quando Aldir fez 70 anos.
Aldir é culto. Leitor compulsivo, lê mais do que houve música. Lê e guarda tudo. Escreveu crônicas para os jornais “Pasquim”, “O Dia”, "O Estado de São Paulo" e “O Globo”, “Jornal do Brasil” e revista “Bundas”.
Num depoimento para o jornal “O Globo”, como parte das comemorações dos seus 70 anos, respondendo a neta Milena, ele disse: Uma vez, como psiquiatra, fui a um congresso e um senhor defendeu que não se podia fazer medicina, e especificamente psiquiatria, sem cultura. Ele foi vaiado. Quando acabou, fui dar um abraço nele. Acho que isso é rigorosamente verdadeiro. Quanto mais culto for o médico, melhor ele será”.
O cronista que parecia escrever crônicas com tanta facilidade, tinha enorme dificuldade para escrever um romance longo. Até tentou.
Em 1998, a convite da editora Luciana Villas Boas chegou a escrever várias páginas de um romance policial passado na Muda, mas o projeto não foi adiante.
“De vez em quando, releio, reescrevo. Tem trechos muito bons, mas aí entra a falta de confiança para um projeto de maior amplitude. Eu leio e penso “tem um livro aqui”, mas a coisa não desencana. Sempre fui meio reticente, acho que tenho o que Ivan Lessa chamava de “fôlego curto”. Meu negócio é letra, crônica. Sofro muito com textos longos”, disse.
Outro projeto que ficou pelo caminho, foi um roteiro para o cinema. Aldir começou a escrever um argumento para uma ideia do cineasta mineiro Schubert Magalhães: era a história de um sujeito que controlava o correio da cidade mineira de Mariana e, a partir daí, manipulava as cartas e ia atrás das mulheres da cidade para estuprar e matar. Fizeram um trabalho muito bom mas Shubert teve que voltar para Minas e lá morreu do coração. O roteiro nunca foi terminado.
Dorival Caymmi dizia que “todo mundo é carioca, mas Aldir Blanc é carioca mesmo”. Carioca, salgueirense e vascaíno. Aldir era frequentador assíduo dos blocos carnavalescos “Simpatia é quase amor” - batizado por ele - e “Nem Muda Nem Sai de Cima”.
Outra paixão do cronista era o “Bar da Maria”, perto da sua casa, na Muda e o "Bip-Bip", em Copacabana, reduto da boa MPB, comandado pelo saudoso amigo Alfredinho.
Hoje, Aldir não bebe mais. Desde que descobriu que era diabético, em 2010, parou com a bebida.
“Devo confessar que sinto uma falta danada da cerveja e do meu “mordomo”, o ilustre Sir Jack Daniel´s. Infelizmente, beber dá uma puta taquicardia. Não é mais a mesma coisa. Paciência” , disse.
Pior para a bebida, que se viu privada da companhia do genial Aldir.
*Aldir Blanc morreu no dia 4 de maio, de 2020, aos 73 anos. Com infecção generalizada em decorrência do novo Coronavírus.
Comentários