Rio de Janeiro – “Cancelado”. Já usei a palavra para cancelar encontros, compromissos, viagens.
Hoje, a palavra virou moda e passou a ser empregada para boicotar pessoas. A chamada “cultura do cancelamento” atinge pessoas comuns ou celebridades que disseram algo controverso ou se envolveram em alguma polêmica.
Ser cancelado é ser excluído.
O fenômeno expõe o perigo das fake news. Uma mentira plantada na mídia, pode acabar com a carreira ou a reputação de alguém. Às vezes, com as duas.
A cultura do cancelamento é antiga. Só não tinha esse nome pomposo.
Na década de 70, em plena Ditadura Militar, uma fake news acabou com a carreira do cantor Wilson Simonal.
Simonal nasceu no dia 23 de fevereiro de 1938, no Rio de Janeiro. Foi um cantor que viveu o auge de sua carreira artística nas décadas de 60 e 70, quando foi considerado o primeiro "pop star" negro da MPB. Filho de Maria Silva de Castro, uma cozinheira e empregada doméstica mineira, e do radiotécnico, também mineiro, Lúcio Pereira de Castro, que se mudaram para o Rio de Janeiro. Ao longo da carreira, ganhou grana, ostentou riqueza e se divertiu como poucos. Chegou aonde nenhum outro negro de sua época havia chegado. Isto despertou a inveja de muita gente.
Simonal chegou a assinar o que foi considerado na época o maior contrato de publicidade de um artista brasileiro, com a empresa anglo-holandesa Shell.
O artista era considerado um dos maiores cantores brasileiros. Dono de uma voz privilegiada, foi apelidado de o “Frank Sinatra brasileiro”. Tinha um programa de TV só seu, duas Mercedes e vendia discos igual a Roberto Carlos. Em 2012 Wilson Simonal foi eleito o quarto melhor cantor brasileiro de todos os tempos pela revista Rolling Stone Brasil.
Mas era negro, de origem pobre e militar.
Simonal viu sua carreira entrar em declínio após se envolver num dos episódios mais obscuros da música popular brasileira, quando teve seu nome associado ao Dops (Departamento Estadual de Ordem Política e Social) envolvendo o sequestro e a tortura de seu contador Raphael Viviani, acusado por ele de ter dado um desfalque em sua empresa.
Com o episódio, o artista acabou sendo levado a delegacia para prestar depoimento. Submetido a um severo interrogatório pelo delegado de plantão, Simonal, com medo de ser preso, achou que se safaria da “dura” alegando ter amigos no DOPS.
A emenda foi pior do que o soneto. No dia seguinte os jornais publicavam em suas primeiras páginas manchetes como: “Simonal delator”; “Cantor Wilson Simonal é informante do Dops”; “Simonal entrega amigos ao Dops”.
Simonal, pela ingenuidade, alienação ou pleno desinteresse, não ligava para política. Sua vida não era pautada pela política. Definitivamente, ele não fazia, parte ou sequer desejava fazer parte da intelligentsia carioca.
Como todo malandro carioca que se preza, Simonal era um tremendo fanfarrão.
Simonal foi tachado de alienado e conivente com o regime, pelo simples fato de continuar fazendo sua pilantragem num momento de polarização política que obrigava os artistas a também protestar. O cantor foi acusado de colaborar com os órgãos de repressão durante o regime militar. Sofreu boicote da mídia e de artistas. Músicos se recusaram a tocar com ele, para "não se queimar".
Embora nenhum artista afirme ter sido prejudicado politicamente por Wilson Simonal, o cantor foi acusado, em 1971, de ser um informante do Dops. O cantor acabaria sendo processado e condenado o que acabou levando-o ao ostracismo e a condição de pária da música popular brasileira.
A imprensa da época, caiu de pau nele. Os grandes jornalões, as TV´s, o Rádio e até a imprensa alternativa, entre elas, “O Pasquim”.
O Pasquim já cometeu algumas gafes, como no dia que se recusou a publicar, em 1969, trechos de “Cem Anos de Solidão”, de Gabriel Garcia Márquez, que havia acabado de ser lançado. “Imagina se O Pasquim vai publicar o livro de um cucaracha”, teria dito Tarso de Castro. Não saiu nem uma linha.
Em 1971, no entanto, se redimiu. Quando García Márquez veio pela primeira vez ao Brasil, toda a turma do Pasquim estava lá para babar o saco do escritor. Estavam lá: Millôr Fernandes, Jaguar, Ziraldo, Tarso de Castro, Ferreira Gullar, Glauber Rocha… Todo mundo.
Mas o tablóide não se redimiu da perseguição a Simonal. Nem “O Pasquim'', nem a grande imprensa.
Com o passar dos anos, Simonal tornou-se alcoólatra. Com isso, foi gradativamente perdendo a capacidade vocal, chegando aos anos 90 com a voz muito debilitada.
Os shows e as grandes apresentações sumiram. O cantor vivia de pequenas apresentações em clubes, boates e bares.
O disco Os Sambas da minha Terra, lançado em 1991, foi gravado graças a uma fã que pagou as horas de estúdio, os músicos e o cachê de Roberto Menescal, produtor e arranjador.
O cantor que em sua carreira gravou 36 discos e influenciou uma geração de cantores e compositores, entre os quais Jorge Ben, que Simonal elevara a um novo patamar com a gravação do sucesso “País Tropical”, e Caetano Veloso, que transformara um bordão frequentemente repetido por Simonal em título de uma de suas canções mais famosas: “Alegria, Alegria“, morreu pobre, em 25 de junho de 2000, sem que nenhum artista ou orgão de imprensa tenha vindo a público se desculpar com o cantor.
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