Coluna

SUS te ama!

- Fui laureado, Marineth, com placa especial fixada com parafusos no tornozelo em cirurgia realizada para restaurar o pé direito no devido lugar, desconectado do corpo, em fratura exposta de alta complexidade. Na placa, inscrição singular, que carregarei pelo resto da minha existência. A fratura decorreu da queda de 1,5m de altura, com a canela, literalmente, comendo grama. E o pé ficou à deriva, vadio. Ou seja, não obedecia de jeito maneira a minha coordenação motora.

- Que trem doido é esse, Athaliba? Explica isso tim-tim por tim-tim. E qual é a tal inscrição singular que tem nessa placa especial, que ocê carrega dentro da carcaça cansada de guerra?

- Marineth, antes de tudo, daqui manifesto meu veemente agradecimento a Maria José e ao filho dela, Antônio Augusto, pelo imediato socorro. São vizinhos lá em Itaipu. Como não tinha, na ocasião, cirurgião na UPA Mário Monteiro - Unidade de Pronto Atendimento -, fui levado ao Hospital UNIMED, em Itaipu. E a médica ortopedista Larissa, com medicação contendo morfina, realizou o 1º curativo. Naquele nosocômio senti na pele a exploração mercantilista da indústria médica privada que procura por todos os meios extinguir a saúde pública gratuita no Brasil.

- Como assim, Athaliba?

- Marineth, me vi cercado por abutres, que averiguavam, com rispidez, sobre qual plano de saúde tinha. Era condição sine qua non para garantia de atendimento hospitalar. Aquela médica, porém, sensibilizada com meu sofrimento (não vejo razão para omitir tal situação) me garantiu o atendimento. E alguém, sussurrando no meu ouvido, insistia: “Vá para o Azevedo Lima, pois lá você terá atendimento qualificado, coisa que o suntuoso Hospital da UNIMED não proporciona”.

- Posso deduzir, então, Athaliba, que ocê não perdeu o pé devido ao socorro que o vizinho prestou de forma imediata e ao bizu soprado no teu ouvido de que deveria se abrigar no SUS?

Na placa de duas faces enxertada no meu pé tem o nº do cartão de usuário do SUS e, do outro, a inscrição o SUS TE AMA. (Arquivo pessoal).  

- Sim, Marineth. Sem documentos, na ocasião, meu filho Pablo, engenheiro, e a Débora, namorada dele, conduziram-me para o Hospital Azevedo Lima, em Niterói. Transitando no setor de emergência, o cirurgião Sérgio Lang me viu e disse: “Eu vou cuidar de você!”. Poucos minutos depois, circulando de novo naquele espaço, repetiu a frase. E a cirurgia decisiva deixou de ser feita devido à sujeira do ferimento. Disso soube após passar o efeito da anestesia, por outro Sérgio Lang. Veja só! Descobri que pai e filho, médicos ortopedistas e traumatologistas, cuidaram de mim. “Ô sorte!”, como dizia o baterista Wilson das Neves, meu saudoso amigo.

- Quando, afinal, se realizou a cirurgia definitiva, Athaliba, já que a “canela” comeu grama?

- Marineth, em menos de sete dias, uma semana, portanto, passei três vezes pelo centro cirúrgico, sendo anestesiado e com o ferimento manuseado. Ao longe ouvia murmúrios de que poderia sofrer amputação do pé. Não sei dizer se foi sonho ou alucinação. Delírio. Bem, enfim, o médico Jean Antônio Valadão assinou minha liberação hospitalar. Claro, após a cirurgia final. E assim, minha filha, Yasmim, psicóloga, me levou para casa. Onde, lá, meu filho Lenin, advogado, já me esperava com muletas.

- Athaliba, sem condições de andar, colocar o pé no chão, como ocê se virou?

- Marineth, preciso contar que a enfermeira Rosilene Sant Ana dos Santos, após a cirurgia, me acompanhou até que passasse os efeitos da anestesia. Ela esteve ao meu lado do início ao final da operação. Já em casa (convalescente), de forma solidária, sou assistido por Creusa das Graças, mãe do nosso filho Vladimir, professor de Educação Física, morto por “bala perdida” aos 28 anos, em 25/3/2007; e por minha irmã, Lídia Nair. Agradeço a enfermeira Débora Cândida de Almeida, que fez curativo diário, acompanhada da Yasmim, no vai-e-vem à minha casa.

- Afinal, Athaliba, qual é a inscrição que tem na placa, enxertada no teu corpo?

- Marineth, antes que eu esqueça - depois revelo a inscrição na placa, no tornozelo -, quero agradecer aos anestesistas Igor e Carla Terezinha Correa de Aquino; ao cirurgião Douglas Riva; à Jovana Nogueira Ribeiro (enfermeira e professora, também integrante da Harmonia da escola de samba Porto da Pedra); ao enfermeiro Marcelo Valmore; e ao médico Jorge Cipriano. Vai meu agradecimento ao amigo Raphael Gomes do Amaral.

- Athaliba, ocê teve assistência do Sistema Único de Saúde - SUS, que garante acesso gratuito à população, né? O SUS vai da simples avaliação arterial a transplante de órgãos.

- Sim, Marineth. Bem, a placa de duas faces no pé tem de um lado o nº 708002856337422, que tá no meu cartão de usuário, e do outro a inscrição o SUS te ama.

Lenin Novaes

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Crônicas do Athaliba

LENIN NOVAES jornalista e produtor cultural. É co-autor do livro Cantando para não enlouquecer, biografia da cantora Elza Soares, com José Louzeiro. Criou e promoveu o Concurso Nacional de Poesia para jornalistas, em homenagem ao poeta Carlos Drummond de Andrade. É um dos coordenadores do Festival de Choro do Rio, realizado pelo Museu da Imagem e do Som - MIS

Comentários


  • 12-03-2024 14:13:20 Julio Oliveira

    Camarada Lênin Novaes! Fico feliz por dois grandes motivos ao ler tua crônica: o primeiro é saber que estás bem e em recuperação, o segundo é uma confirmação de que o SUS é o melhor de todos os sistemas de saúde do planeta Terra. Para mim que sou Sanitarista e defensor ferrenho do Sistema Único de Saúde é uma vitória do serviço público de saúde. Fica bem Camarada!