Quando Sérgio colocou o CD para tocar, uma música muito suave invadiu o ambiente. Era a música deles que tocava. Sérgio lembrou daquele momento, como se somente aquela música fosse capaz de lhe devolver as lembranças.
Sentou na mesa da sala e olhou seu rosto no espelho. Abriu uma folha branca que trazia nas mãos e com leves traços começou a escrever uma carta para Stela.
Os olhos encheram de água, como se cada nota de música que ouvia fosse capaz de cair pelo rosto, desaguando no refinado solo de uma guitarra, que emitia o som lancinante de um grito de socorro. Algumas caíram no papel como se estivessem prontas a espalhar a esmo notas musicais de uma partitura inexistente.
Caídas sobre o papel, a água lacrimosa enrugava alguns pontos, amarrotando e rapidamente evaporando, como se cada dobradura fosse um abraço de saudade, lembrando a saudade que ele sentia.
Cada palavra que conseguia espremer no cérebro correspondia às lágrimas que se comportavam como sons de um pássaro triste pela falta da companhia. Imaginava sua carta seguindo e tocando o coração de Stela, tocados pelo ar e levados pelo vento, vindo na sua lembrança a ex-amada virando o rosto e deixando como última imagem os seus cabelos oscilando e se afastando, como uma mão debochada dizendo adeus.
Tentou, na arrumação das palavras, passar a cor com que enxergava a vida, a pintura que esmaeceu da imagem que guardava dela, e que postergava apagar da lembrança, passando de um quadro a um simples modelo, e depois o perigo de se tornar uma nuvem no passado.
O multicolorido de suas lágrimas descia pelo rosto, nascidas da sua imaginação e depositadas, chorosas, vendo a carta que ela nunca leria, amassada e depositada ao lado. A partir daí, as cartas seriam escritas não mais com palavras e sim com imagens e sempre relembradas.
Porque as lembranças são as cartas que o passado nos envia nas noites de solidão.
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