Coluna

CARRIÇO E A CASA DA POESIA

“A vida é uma onda encrespada, que a gente vive a nadar...nada, nada, nada, nada, até o nada chegar”. (Carriço)

Arraial do Cabo - Carnaval também é cultura. Dei um tempo na folia momesca e fiz um passeio cultural por Arraial do Cabo, na Região dos Lagos, no Rio de Janeiro.

Fui visitar a casa da rua Nilo Peçanha, 2, na Praia dos Anjos, em Arraial do Cabo, onde viveu o poeta e escritor Victorino Carriço.

Me decepcionei. 

Na casa onde o poeta viveu grande parte de sua vida e escreveu parte significativa de sua obra, hoje funciona uma lojinha de bugigangas. Pior, nenhuma bugiganga faz qualquer referência ao poeta.

Casa da Poesia

Nenhum quadro, nenhum verso, nenhum poema, nenhuma música, nem sequer uma foto do poeta. Nada. Que lembre Carriço, só o jardim plantado pelo poeta e uma placa  pendurada na entrada onde está escrito: ‘Casa da Poesia’.

Até a cor do imóvel foi mudada. O rosa delicado e poético, escolhido pelo poeta, foi substituído por um azul furta-cor. Horrível. 

Conhecida como a ‘Casa da Poesia’, o imóvel foi a moradia do poeta, de Dona Zizi, sua esposa e de seus cinco filhos. Localizada no centro histórico, à sombra da ‘Igreja Nossa Senhora dos Remédios’, a casa já foi um centro cultural onde, entre setembro e outubro, durante a ‘Semana da Poesia’, aconteciam saraus, rodas de choro, leituras de contos e de poesias, além de oficinas literárias. 

A residência possuía biblioteca com cerca de 800 títulos e  uma seção de livros infanto-juvenis. Na casa, ficavam seus livros, fotografias, pinturas, desenhos e móveis que pertenceram ao poeta e era aberta a visitação pública. Hoje, abandonada pela Secretaria de Cultura, nada ali lembra o poeta.

Victorino Carriço nasceu em 29 de julho de 1912, na Ponta do Ambrósio, em São Pedro da Aldeia e faleceu no dia 20 de maio de 2003, em Arraial do Cabo, aos 91 anos. 

Foi um poeta, escritor e político brasileiro. Foi presidente da Câmara Municipal de Cabo Frio e autor do hino da cidade. Versátil, foi também poeta, político, escritor, gerente de banco, executivo, delegado de polícia, árbitro de futebol e compositor.

Considerado um ícone da cultura e da política, Carriço também foi um dos fundadores da Academia Cabo-friense de Letras. O poeta pertenceu a 34 associações culturais, algumas no exterior, como Itália, Argentina, Uruguai, França, Espanha, República Dominicana e México.

Em reconhecimento à importância do poeta para a Região dos Lagos, a Assembleia Legislativa do Estado do Rio (Alerj) concedeu a ele a maior honraria, a Medalha Tiradentes ‘post mortem’ em 2015. 

‘Santinho’ - apelido que ganhou na infância - passou a infância e a adolescência entre São Pedro e Cabo Frio, onde estudou no Colégio Sagrado Coração de Jesus e, aos oito anos, deu os primeiros passos na literatura ao compor o hino do colégio, atualmente chamado de Colégio Franciscano Sagrado Coração de Jesus.

Pai de cinco filhos, ao lado de Adalgiza Barros Carriço, a  Zizi, compôs família e escolheu Arraial do Cabo para viver. Poeta de versos e gestos simples, mesmo doente, não se desapegou da poesia, companheira de uma vida que durou 91 anos. 

Carriço foi um homem que marcou o tempo em que viveu. Autor dos livros ‘Mar e Amar’, ‘Se Voltares’ e ‘Vidas Mortas’, Carriço também foi autor dos hinos de Cabo Frio, Arraial do Cabo e São Pedro da Aldeia.

“Um poeta , um homem que acreditava na igualdade entre as pessoas. Cujo tesouro era a lua ,as espumas das ondas, tão sinuosas quanto as melodias que soube compor com maestria. Sempre fazia questão de cumprimentar qualquer criança que passasse por seu caminho. Diariamente saía pelas ruas de Arraial e Cabo Frio para distribuir balas e poesia. Fazia um verso por dia e o recitava  ao longo desse mesmo caminho pra quem por ele fosse interpelado, brindando doçura e suavidade Sabia que essa era a sua contribuição. Carriço era o poeta do corpo a corpo” – relembra, Junior Carriço, neto do poeta.

“Meu avô era um apaixonado pela Região dos Lagos e transformava em poesia tudo o que via. Cada hino, música, poesia, tudo foi escrito com a grandeza da alma de um poeta e compositor. Victorino Carriço deixou um legado cultural imenso e tenho muito orgulho disso. Vamos homenageá-lo sempre. Ele merece”, declarou a neta Fernanda Carriço, que cuida da obra do avô.

Hoje, a cidade do poeta recebe milhares de turistas brasileiros e estrangeiros durante os verões e as datas festivas, como o carnaval e as festas de final de ano. São brasileiros, argentinos, chilenos, bolivianos, americanos e de outras nacionalidades. Gringos que poderiam levar o nome do artista e a cultura da cidade para o exterior.

Para isso, é preciso Arraial do Cabo valorizar sua cultura.

Ediel Ribeiro (RJ)

709 Posts

Coluna do Ediel

Ediel Ribeiro é carioca. Jornalista, cartunista e escritor. Co-autor (junto com Sheila Ferreira) do romance "Sonhos são Azuis". É colunista dos jornais O Dia (RJ) e O Folha de Minas (MG). Autor da tira de humor ácido "Patty & Fatty" publicadas nos jornais "Expresso" (RJ) e "O Municipal" (RJ) e Editor dos jornais de humor "Cartoon" e "Hic!". O autor mora atualmente no Rio de Janeiro, entre um bar e outro.

Comentários