Rio de Janeiro - Oscar Wilde foi taxativo: “Somente os tolos não julgam pela aparência”.
O Cervantes sempre me pareceu um boteco honesto. Mas, confesso, nunca tinha ido lá. Então, nesse início de ano, aproveitando que estávamos, eu e a Sheila, num hotel em Copacabana, a alguns metros da Prado Júnior, fui lá tomar uns chopps.
Paulo Mendes Campos, poeta, cronista e boêmio dos bons, escreveu em “Por que bebemos tanto assim?”, uma crônica antológica: “Um bar legal precisa apresentar cinco qualidades fundamentais: boa circulação de ar, bom proprietário, bons garçons, bons fregueses e boa bebida.” O Cervantes tem tudo isso.
Fechado desde o início da pandemia de Covid-19, o Cervantes voltou às atividades no mês de outubro do ano passado. Referência nas madrugadas da Zona Sul, o bar volta graças a Antônio Rodrigues, proprietário, entre outros, do Belmonte. Ele também foi o responsável pela recuperação do Nova Capela e do Amarelinho da Cinelândia.
Com o Cervantes, Antônio passa a administrar 19 estabelecimentos. Fora do Rio, cuida de uma unidade do Belmonte em São Paulo e três em Portugal.
“Gosto da cidade, tenho que fazer por ela o que ela fez por mim. Não dá para pensar no dinheiro o tempo todo”, afirma o empresário cearense, um apaixonado pelo Rio.
Natural do Ceará, Antônio Rodrigues nasceu em Hidrolândia, pequeno município cearense com menos de 20 mil habitantes. Aos 16 anos veio ganhar a vida no Rio de Janeiro. Foi faxineiro, lavador de pratos, cumim e garçom. Dono do Carlito´s, na Cinelândia, em 2001 assumiu o Belmonte um antigo boteco na Praia do Flamengo. Começava ali a saga do homem que salvou endereços clássicos da boemia carioca.
Sinônimo de descontração e boemia, o Cervantes era parada obrigatória de boêmios famosos. Otélo Caçador, frequentador do bar, me contou que Isac Zuckman, que foi secretário do Ary Barroso, quando ligava para marcar encontros no boteco da Prado Júnior, dizia: ‘Naquele bar que tem nome de índio, o Xavantes’. Não era Xavante, era Cervantes.
Além do cartunista Otelo Caçador, o jornalista Lúcio Rangel, Jaguar, Sérgio Cabral (o pai) e outros famosos frequentavam o Cervantes.
O Cervantes foi fundado em 30 de julho de 1955, por Harmuss Zalman. No começo era uma simples mercearia que fazia uns sanduíches no capricho.
Em 1965, o Cervantes foi adquirido por dois sócios espanhóis, Candido Ricardo Villar Lema e Cândido Carballo Perez, que o transformaram em restaurante e mantiveram os sanduíches que se tornaram famosos pela qualidade e fartura.
Patrimônio Cultural Carioca desde 2013, não seria exagero afirmar que, se vivo, Miguel de Cervantes, o pai de Dom Quixote, apreciaria os célebres e suculentos sanduíches de pernil com abacaxi e queijo do Cervantes.
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