Coluna

Arte de Vitalino na Mocidade

 - Athaliba, a Mocidade Independente de Padre Miguel, à busca do 7º título de campeã do Carnaval, em 2023, ampara-se nos discípulos de Mestre Vitalino. O enredo Terra de meu céu, estrelas de meu chão mergulha de cabeça no maior Centro de Artes figurativas das Américas. O desfile mostrará a expressão genial das obras de barro dos artistas do Alto do Moura, sob a alta responsabilidade do carnavalesco Marcus Ferreira. Ele faz parte do pacotão de renovações de alguns setores da escola, que contará ainda com nova comissão de frente e novo intérprete para fazer do público do sambódromo estridente coro do samba-enredo. Viva a Mocidade.

- Marineth, que a agremiação possa honrar o legado da arte de Mestre Vitalino. Tive a oportunidade de conhecer a incomparável obra dele nas andanças por Carpina e Caruaru, início dos anos 1990. Na ocasião, como assessor de imprensa, integrei congresso de trabalhadores da Dataprev, Serpro e Datamec buscando saída para as desavenças políticas, sociais e econômicas do governo Fernando Collor de Mello. Depois de quase três décadas de ditadura oriunda do golpe civil-militar de 1964, o primeiro governo eleito por voto popular terminou com impeachment dele.

Logomarca enredo da Mocidade / Divulgação - 

- Athaliba, ocê sabia que o prefeito de Caruaru, Rodrigo Pinheiro, à frente de comitiva, foi à quadra da agremiação carnavalesca para assistir a escolha do samba-enredo? Será que isso caracterizou enredo patrocinado ou, simplesmente, participação simbólica de pura cortesia? Bem, vamos falar do reduto de artesões do ceramista Vitalino Pereira dos Santos, filho ilustre do Alto do Moura, localizado pouca distância da cultuada Caruaru. As casas são oficinas e estão sempre abertas à visitação de turistas. Saiba que o fantoche mito pés de barro não é obra de arte de lá.

- Marineth, Mestre Vitalino nasceu em 10/7 de 1909 e morreu 20/1 de 1963. É considerado o mais importante artesão e ceramista da história da arte de barro no Brasil. Suas esculturas estão espalhadas pelo mundo. Mas, na localidade do Alto do Moura, tem notáveis artistas, né?

- Athaliba, ocê nem imagina. Prova viva do legado de Mestre Vitalino são Antônio Galdino, Manuel Eudócio e Zé Caboclo, entre outros, que resgatavam da memória costumes nordestinos para moldar no barro as obras de arte. O filho de Vitalino, Manuel, bate no peito com orgulho ao dizer “hoje em dia muitos artesãos trabalham como o massapé, mas poucos com a sensibilidade que tinha meu pai”.

- Marineth, década de 1970, dias antes do Carnaval estive na quadra da Mocidade para fazer cobertura de evento para o Jornal Última Hora. E, na volta a casa, soube que minha mulher Janise Moreira de Paiva, jornalista, tinha sido levada à Maternidade Praça XV, onde deu a luz ao nosso primeiro filho, Lenin. Depois, relatei o caso ao Antônio Correia do Espírito Santo, o Toco, um dos fundadores e principais compositores da agremiação. E ele me disse: “Seu filho será um grande sambista, pois nasceu sob as bênçãos do Rei Momo”. Vi leve sorriso nos olhos dele.

- Athaliba, quem é esse Toco? A previsão dele se confirmou?

- Marineth, a previsão não se confirmou. Toco é a própria Mocidade, falecido em 2006. Ele ganhou 12 sambas-enredo. Entre eles, “Apoteose ao samba”, que elevou a escola ao 1º Grupo; “Rapsódia da saudade”; “Mãe Menininha”; “Descobrimento Brasil”; “Vira, virou... a Mocidade chegou”; e “Chuê, chuá... as águas vão rolar”. Recebeu a Ordem do Mérito dos Grandes Mestres, em 1973. Venceu duas vezes, em quatro participações, o Encontro Nacional dos Compositores de Samba, com “Sonho de um pequeno rei” e “Poetas de calçada”, em 1972 e 1974. Teve suas músicas gravadas por Emilio Santiago, Alcione, Leci Brandão e Roberto Ribeiro, entre outros.

- É, Athaliba. Toco é uma das mais significativas expressões da nossa maior manifestação cultural popular. Também se pode afirmar que a Mocidade Independente de Padre Miguel ganhou notabilidade, nos anos 1960, com a beleza rítmica da bateria comandada por Mestre André, que se chamava José Pereira da Silva. A ousadia das “paradinhas” no som da bateria levava a plateia ao delírio. É importante ainda dizer que a cantora Elza Soares, que ocê biografou junto com o seu saudoso amigo e jornalista José Louzeiro, é um dos símbolos da escola.

- Sim, Marineth. Aliás, ano passado, foi inaugurada a Casa da Mulher Elza Soares, na Vila Olímpica Mestre André. A missão da unidade é oferecer cursos e oficinas de capacitação e, além disso, atendimento psicológico e orientação jurídica às mulheres em situação de violência. A Elza nasceu e se criou na Vila Vintém, em Padre Miguel. Tinha estreita ligação com a Mocidade. E, Louzeiro e eu, intitulamos o livro Cantando para não enlouquecer abalizados na trajetória dela. 

Lenin Novaes

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Crônicas do Athaliba

LENIN NOVAES jornalista e produtor cultural. É co-autor do livro Cantando para não enlouquecer, biografia da cantora Elza Soares, com José Louzeiro. Criou e promoveu o Concurso Nacional de Poesia para jornalistas, em homenagem ao poeta Carlos Drummond de Andrade. É um dos coordenadores do Festival de Choro do Rio, realizado pelo Museu da Imagem e do Som - MIS

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