Coluna

QUEM SERIA?

MULHER NA JANELA
Foto: Maria Teneva en Unsplash - 

A suave brisa que passa, deixando um perfume tão levemente enlouquecido, anuncia a sua presença na sala. Não é que não saiba quem exista, quem deixa no ar essa mistura de forma e odor, mas me deixo levar na escuridão com os olhos cerrados, imaginando que não estou em minha sala, no quarto ou na casa, mas andando por outras terras bem longínquas.

Não ouço os passos, mas um leve, muito leve bater de pés no chão, como se pudesse sentir no deslocar do movimento alguma coisa parecida como notas carimbadas no assoalho, que geme como se fosse o compasso perdido de alguma sinfonia que acompanha os passos, porque estão em uma cadência no movimento, e na minha mente se materializa algo.

E quando se serve a mesa, os movimentos são sempre ritmados, sem pressa, como se a louça toda, os pratos, os copos, os talheres, obedecesse e aguardasse o momento de entrada em cena. As mãos alçam voo do corpo na busca da comida que espera, todos ansiosos por ser a escolha daquela que se senta à mesa e é bela.

Os olhos parecem não olhar para o horizonte, apenas cantam uma música e nenhum sorriso vem ao rosto, até que toda a cena se complete.

Se levanta da mesa para qualquer outra coisa que porventura se esquecera, a cadeira também, como um cavalheiro, se retrai, sem que no pavimento algum outro som se ouça, obedecendo, como o dançarino, sem querer ofender os pés da dama que acompanha.

Eu assisto a tudo sem olhar para os lados, temendo alguma conversa que interrompa aquela ópera, aquele roteiro de todas as noites.

Durante o dia, a presença nem se nota, como uma ninfa evolui pela sala, passando de cômodo em cômodo a dobrar o corpo com leveza, sendo eternamente uma princesa à espera de um cumprimento.

Nem me atrevo a dizer qualquer coisa, apenas observo como a plateia atenta, esperando que no final do que faz, ela simplesmente levante os olhos e me peça, sem falar, aquilo que mais precisa, fazendo um pequeno gesto com as mãos levando à boca, abrindo um sorriso majestoso de quem saberá, com certeza, o pedido ser atendido.

Sou um privilegiado, dentre tantos, ter em sua própria casa, a esperar quando chego, com o cansaço do artista ou quando a encontro sentada e pode de um salto, se lançar nos meus braços.

É sempre surpreendente chegar em casa, e ter como companhia uma sempre bela bailarina.

Nilson Lattari

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Crônicas e Contos

NILSON LATTARI é carioca e atualmente morando em Juiz de Fora (MG). Escritor e blogueiro no site www.nilsonlattari.com.br, vencedor duas vezes do Prêmio UFF de Literatura (2011 e 2014) e Prêmio Darcy Ribeiro (Ribeirão Preto 2014). Finalista em livro de contos no Prêmio SESC de Literatura 2013 e em romance no Prêmio Rio de Literatura 2016. Menções honrosas em crônicas, contos e poesias. Foi operador financeiro, mas lidar com números não é o mesmo que lidar com palavras. "Ambos levam ao infinito, porém, em veículos diferentes. As palavras, no entanto, são as únicas que podem se valer da imaginação para um universo inexato e sem explicação".

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