Rio de Janeiro - O cartunista francês Jean-Jacques Sempé morreu nesta quinta-feira (11) aos 89 anos.
Ocupado com a reforma do meu estúdio, não tive tempo de comentar a perda do genial cartunista. Hoje, finalmente, voltando ao trabalho, posso comentar a morte do francês.
Nascido em Pessac, na França, o desenhista ficou conhecido no Brasil pelas ilustrações dos livros da série infantil O Pequeno Nicolau, escritos por René Goscinny, um dos criadores de Asterix.
Sempé começou a carreira nos anos 1950, aos 19 anos, na imprensa regional francesa. Ele foi um dos precursores do romance gráfico “Senhor Lambert”, publicado em 1965. Mas foram seus cartuns de traços finos e linhas delicadas, apresentando personagens em paisagens urbanas, com comentários sobre a vida cotidiana e as famosas capas da revista “New Yorker” que chamam a atenção do público.
Organizando meus guardados, encontrei uma antiga entrevista que Sempé deu ao caderno “Prosa” do jornal “O Globo”, em 10 de novembro de 2012. Como todo mundo já falou tudo sobre o cartunista, vou apenas comentar tópicos da famosa entrevista.
Em frente às amplas janelas de seu estúdio no sétimo andar de um loft-ateliê no Boulevard Montparnasse, em Paris, Sempé recebeu Fernando Eichenberg, correspondente de “O Globo” na França.
Admirando os famosos telhados de Paris e a famosa basílica Sacré Couer, Sempé revela com certa nostalgia:
“Não são os telhados de Paris que eu acho interessantes. Eu gosto muito de ver as pessoas. Os ônibus, os carros, as pessoas, gosto disso.”
Amante confesso do futebol, o cartunista começou a entrevista com uma provocação:
“Não quero decepcioná-lo, mas meu jogador favorito não era Pelé, e sim o holandês Johan Cruyff. Ele era extraordinário, elegante.”
Aos 80 anos, completados em 17 de agosto, Sempé sofreu recentemente um acidente vascular cerebral (AVC) que mudou sua vida.
“Antes eu era bastante autônomo, mas desde o acidente não sou mais. Não sou a mesma pessoa. É muito estranho não ser a mesma pessoa.”
Sempé começou a publicar seus primeiros desenhos para ganhar a vida e os 1,50 francos que recebia por encomenda. Sua primeira recordação de ter visto um desenho seu publicado ainda é nítida:
“Eu me lembro muito bem. Foi um desenho muito ruim, muito mal feito. Eu era muito jovem. Não sei que idade eu tinha, mas ele me marcou. Por quê? Não sei.”
Sobre inspiração, Sempé diz:
“A inspiração para desenhar vem de mim. Eu preferia que a vida lá fora me desse todo o dia algo para me inspirar, mas não, está aqui dentro, neste espaço. Porém, não sei de onde vem.”
Sobre sua rotina:
“Minha rotina se tornou um pouco diferente desde o acidente. Acordo, bebo café e me precipito para minha mesa de desenho. Às vezes fico aqui todo o dia, outras, não. Nada é sempre igual.”
Sobre sua relação com o trabalho:
“Certa vez, um ator francês disse a uma repórter, em uma entrevista: ‘Trabalho é sofrimento, senhorita, não é prazer.” É o que eu acho. Há alguns desenhos meus que odeio. Infelizmente, muitas vezes estão impressos em livros, e isso é horrível.”
Sempé lamenta a perda de interesse das pessoas pelo desenho humorístico “fantasista”:
“O público está cada vez mais atraído pela caricatura política e pela história em quadrinhos. Queremos hoje que tudo seja muito formatado, perdemos a fantasia. Os quadrinhos não são para mim, não é meu universo. Eu preciso do branco em volta.”
A primeira capa de sua autoria na revista “New Yorker” foi impressa em 1978, um antigo sonho de jovem desenhista e um acontecimento do qual se recorda orgulhosamente “como se fosse hoje”:
“Era algo que queria muito. Fiz 104 capas para a “New Yorker”, é algo enorme!”
Para Jean-Jacques Sempé, a melhor definição do homem ainda é a que o descreve como “um animal inconsolável e alegre”. Somos inconsoláveis porque vamos morrer, e apesar de tudo, alegres, porque continuamos”.
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