Rio de Janeiro - O ‘Pasquim’ era um tablóide machista. Quem dava as cartas e ditava as regras no hebdomadário eram os homens.
Era o ‘Clube do Bolinha’ da imprensa brasileira.
Outro dia, escrevi aqui no ‘Folha’ sobre Olga Savary, uma das fundadoras do ‘Pasquim’. Olga, que na época era casada com Jaguar, e embora tenha participado de todas as decisões desde a fundação, criado a seção ‘Dicas”- a mais lida do jornal - e fundado a 'Codecri', a editora do ‘Pasquim’, estranhamente, nunca era mencionada na história da fundação do jornal.
Olga Savary, Nelma Quadros, Barbara Oppenheimer e Martha Alencar foram tão importantes para a história do tablóide quanto Jaguar, Ziraldo, Nani, Tarso de Castro, Sérgio Cabral e outros.
Como já escrevi sobre Olga e Nelma, hoje vou escrever sobre a jornalista Martha Alencar.
Martha é uma jornalista, produtora, atriz e ativista brasileira incrível. Sem ela, a história do ‘Pasquim’ certamente seria mais curta. Foi Martha quem segurou as pontas durante a 'gripe do Pasquim’, quando toda a turma do jornal foi presa.
Quando Tarso a contratou, decidiu nomeá-la como chefe de redação do semanário. Millôr, no entanto, estrilou, dizendo que uma menina como ela não poderia ocupar tal cargo, que seria uma loucura nomeá-la para tal função. A situação acabou sendo contornada com Martha sendo indicada para o menos pomposo cargo de secretária de redação.
Mais tarde, o machismo do Millôr acabou salvando a pele da jornalista. Martha tinha passado a noite anterior fechando o jornal com a ajuda de poucos cartunistas , entre eles Miguel Paiva, Reinaldo e Nani, os outros foram presos ou tiveram que fugir. No dia seguinte, estava em casa, quando os militares chegaram para levá-la.
Por sorte, os milicos não sabiam qual a função de uma secretária de redação. Achavam que a função dela era só atender telefonemas e anotar recados, e Martha - grávida, na época - depois de passar a noite sendo interrogada, foi libertada de madrugada.
Cearense, radicada no Rio de Janeiro, com passagens pela imprensa escrita e pela televisão, Martha começou no cinema, em 1970, aos 30 anos, quando criou a programação visual e os letreiros do filme O Capitão Bandeira contra o Doutor Moura Brasil, de Antonio Calmon; Mulheres de Cinema, de Ana Maria Magalhães; e Vai Trabalhar, Vagabundo (1974), de Hugo Carvana.
Em 1962, Martha Alencar começou a trabalhar no jornal “O Globo”. Dois anos depois, viu os militares tomarem as rédeas do país com um golpe, a liberdade ser cerceada e a censura se instalar nos meios de comunicação.
Em 1967, Tarso de Castro levou Martha para escrever sobre cultura no recém-criado ‘O Sol’. A primeira edição do jornal chegava às bancas como suplemento do Jornal do Sports. Martha diz não lembrar de algo parecido na imprensa. Pelo “Sol” passaram nomes como Ziraldo, Zuenir Ventura, Arnaldo Jabor, Chico Buarque e Carlos Heitor Cony.
‘O Sol’ foi seminal para a imprensa nanica. As grandes publicações alternativas de resistência à ditadura – “Pasquim”, “Opinião”, “Lampião”, “Movimento” e “Cartoon” – viriam só mais tarde. Em 1968, “O Sol” deixava de rodar.
Antes disso, em 1966, em uma roda de samba no Teatro Opinião, Martha conheceu Hugo Carvana. Após as filmagens de “O Dragão da Maldade”, na Bahia, em 1968, Carvana voltou para o Rio e casou-se com ela, na igreja do Leme.
Martha, ainda estava no jornal ‘O Globo’, onde escrevia uma coluna de moda famosa, “As Bonecas de Martha Alencar”, quando o país mergulhava nas trevas mais densas da ditadura militar.
A jornalista foi para o “Jornal do Brasil” trabalhar no Departamento de Pesquisa, a convite de Fernando Gabeira. No JB, Martha acabou se envolvendo mais profundamente com a luta política contra a ditadura. Fez parte de um aparelho político que era uma dissidência do Partido Comunista - que viria a ser, mais tarde, um dos núcleos do MR-8 - e tinha Gabeira como um dos integrantes.
O trabalho no JB durou pouco. No ano seguinte, Martha foi obrigada a fugir: a polícia procurava por Gabeira, envolvido no histórico sequestro do embaixador americano. Exilou-se em Paris com Carvana onde viveram intensamente a ‘Era de Aquário’, no final dos anos 60 e início dos anos 70, quando os jovens do planeta queriam mudar o mundo pacificamente, acabar com as guerras, criar uma sociedade alternativa e praticar o amor livre embalados pelas bebidas e as drogas.
Na volta ao Brasil, em 2004, Martha co-dirigiu, com Tetê Moraes, 'O sol', documentário sobre o nascimento do jornal-escola de resistência à ditadura militar na década de 60 no Brasil e, desde 2017, produz, junto com o filho Júlio Carvana, no Canal Brasil, a série “Saideira”.
O casamento com o ator Hugo Carvana durou quase 40 anos. Rendeu muitas histórias, vários filmes e quatro filhos.
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