- Marineth, o desembarque em Angola, provocou-me profunda sensação de pertencimento à África. Ainda no aeroporto, numa manhã de sol e céu límpido, fulgente, elevei meu pensamento ao médico e poeta Agostinho Neto, que proclamou a independência angolana, em 11/11 de 1975. E, também, como não poderia deixar de ser, assaltou-me da memória o tráfico de escravos, que tantas vezes me causaram revolta, banhada em lágrimas, na leitura dos poemas de Castro Alves. Lembro-me desses fatos agora, às vésperas do centenário de nascimento de Agostinho Neto, em 17/9 de 2022. Será que esse marco político-histórico-literário vai ser ignorado aqui e acolá?
- Athaliba, desencava essa revelação guardada a sete chaves no baú de memórias. Qual a missão que levou ocê para o outro lado do Atlântico?
- Marineth, o saudoso Neiva Moreira me enviara a Angola para produzir reportagens para a revista Cadernos Terceiro Mundo, à época editada pelo jornalista Procópio Mineiro. Moreira fora jornalista e deputado federal e estadual, representando o Maranhão. E Mineiro evitou golpe nas eleições de 1982, que elegeu Leonel Brizola, ao denunciar o escândalo da Proconsult. Aquele país estava imerso numa guerra civil, apoiada pelos EUA, que financiava mercenários chefiados por Jonas Savimbi, contra a revolução vitoriosa.
- Athaliba, a batalha entre o MPLA e a UNITA durou de 1975 a 2002.
- Sim, Marineth. Agostinho Neto foi líder do Movimento Popular de Libertação de Angola, o MPLA. E combateu dissidentes da Frente Nacional de Libertação de Angola, chefiados por Jonas Savimbi, entrincheirados na União Nacional para a Independência Total de Angola, a UNITA. Nas ruas de Luanda, capital de Angola, por onde andei, o cenário da batalha refletia a crítica condição de vida da população. A economia do país, na quase totalidade, estava implícita no conflito. E, no retorno à Morada do Sol, perto da casa do presidente José Eduardo Santos, organizava os textos.
- Athaliba, descreve o poeta e médico Agostinho Neto?
- Marineth, o Antônio Agostinho Neto, nasceu na aldeia Kaxicane, filho do pastor metodista, Agostinho Neto, e da professora Maria da Silva Neto. Após estudar no Liceu Salvador Correia, em Luanda, foi cursar a Medicina, em Portugal. Lá, integrou o Movimento dos Jovens Intelectuais de Angola. Colaborou com as revistas Momento e Mensagem, órgãos de associação angolana. O conteúdo político dos seus poemas e artigos contrariava a ditadura salazarista, de inspiração nazifascista, liderada por Antonio Salazar, desde 1930. Após a morte dele, em 1970, Portugal se livrou do regime nazifascista, com a Revolução dos Cravos, em 24/4 de 1974.
- Agostinho Neto foi preso por suas atividades em favor do país dele, Athaliba?
- Por algumas vezes, Marineth. As detenções não o afastaram das ações política. Fundou o Centro de Estudos Africanos, com Amilcar Cabral, Mário de Andrade, Marcelino dos Santos e Francisco José Tenreiro, em Lisboa. Licenciou-se em Medicina e casou com Maria Eugênia, em 1957. Após fugir para Kinshasa, juntou-se ao MPLA, sendo eleito presidente. Na volta à Luanda, proclamou a independência de Angola, após participar de acordo para transição de governo, em Alvor, Portugal. Ele morreu em 10/9 de 1977, em Moscou, na União Soviética. Deixou o legado da liberdade do povo angolano.
- Athaliba, ocê sabe declamar algum poema do Agostinho Neto?
- Neste instante, Marineth, ainda de densa dor pela morte da mana negra Ligia Celeste, em 25/6, cultivo à memória dela os versos do combativo, imprescindível, poeta Agostinho Neto:
“Voz do sangue palpitam-me os sons do batuque.
E os ritmos melancólicos do blue.
Ó negro esfarrapado do Harlem
Ó dançarino de Chicago, ó negro servidor do South.
Ó negro da África, negros de todo o mundo.
Eu junto ao vosso magnífico canto
A minha pobre voz, os meus humildes ritmos.
Eu vos acompanho pelas emaranhadas áfricas do nosso Rumo.
Eu vos sinto, negros de todo o mundo.
Eu vivo a nossa história, meus irmãos”.
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