Coluna

O PECADO QUE EU MAIS GOSTO

MAÇÃ
Foto: engin akyurt en Unsplash - 

No filme O advogado do diabo, estrelado por Al Pacino, que faz o papel do próprio, depois de idas e vindas, ele declara que a vaidade é o pecado que o diabo mais gosta. Não sei se houve confirmação, mas creio que ele gostaria de todos, e a vaidade seria uma escolha muito interessante.

Nesses tempos de tiroteio verbal nas mídias sociais cheias de observações insanas e respostas idem, disparadas quando alguém se aventura em um questionamento coerente, eu diria que pude escolher o meu pecado preferido: a hipocrisia.

Hipocrisia é aquela capacidade do ser humano em ser um mentiroso sem parecer que é.

Acho a hipocrisia desprezível, mas, ao mesmo tempo, fascinante. Me vem à cabeça uma imagem do sujeito com cara de paisagem, mirando o nada, como se o nada, dessa vez um nada não-filosófico, fosse duas coisas: uma sublimação sobre tudo que se ouve ou aquele ar de não sei (ou não me interessa) sobre o que se está falando.

A hipocrisia é feia, porque esconde sentimentos malignos, coisa misteriosa, de eu te pego lá fora ou coisa assim, aquela capacidade de esquecer o que foi dito antes e na maior caradura desmentir a si mesma. Como coisa corriqueira: sou, mas quem não é!

Por outro lado, a hipocrisia tem algo de fascinante, porque tem uma teatralidade, uma performance de palco. Uma representação de um personagem que não existe. Tem ares de humildade, de sentimento pelo outro, funciona como uma faca que não foi desembainhada.

O fascínio está naquela sensação de que pouco se importa com o outro, impõe suas ideias (normalmente, repetida de outros) que são repetecos sem pensar de alguém que empresta um pensamento qualquer, supostamente amparado em alguma lógica, é claro que pessoal. Tipo: pra mim é assim e pronto. É fascinante essa empáfia.

Hipócrita é aquele que demonstra ser uma pessoa que remói de vontade de voar no pescoço do oponente, normalmente que está sapateando na sua convicção. Aliás, convicção é própria do hipócrita, quando as evidências vão de encontro ao seu pensamento ele se mantém firme. É um dissimulado e sente medo.

Esse também é um ponto fascinante. O hipócrita flerta com o medo, sente o medo e tem medo do medo dele. Portanto, se esconde. É um ator, representa o que não é, tangencia a mentira, tentando dar ares de verdade. Segue em frente, e essa é uma característica do hipócrita dentro da teia da fascinação. Ele sobrevive assim, e vai enchendo o mundo de hipócritas.

Nilson Lattari

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Crônicas e Contos

NILSON LATTARI é carioca e atualmente morando em Juiz de Fora (MG). Escritor e blogueiro no site www.nilsonlattari.com.br, vencedor duas vezes do Prêmio UFF de Literatura (2011 e 2014) e Prêmio Darcy Ribeiro (Ribeirão Preto 2014). Finalista em livro de contos no Prêmio SESC de Literatura 2013 e em romance no Prêmio Rio de Literatura 2016. Menções honrosas em crônicas, contos e poesias. Foi operador financeiro, mas lidar com números não é o mesmo que lidar com palavras. "Ambos levam ao infinito, porém, em veículos diferentes. As palavras, no entanto, são as únicas que podem se valer da imaginação para um universo inexato e sem explicação".

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