Coluna

PARA DIZER QUE TE AMO

A menina com a pequena bolsa a tiracolo, ar de ansiedade, sorriso aberto de felicidade, depois do sinal verde liberando a passagem de pedestres atravessou a rua, e quando chegou à sorveteria em frente abraçou o namorado e disse: “Eu te amo”.

Fiquei eu olhando da minha janela, como se assistisse uma novela, um filme, lesse um romance, vi passando diante dos meus olhos a mesma história de amor. Não é difícil imaginar a linguagem fácil neste tipo de comunicação. Deveria ter dito, simplesmente, um: “Eu te amo”. Mas aquele “Eu” tinha alguma coisa mais especial. Era um “Eu” solitário, quase de joelhos, só dela, e somente para um outro “Eu”.

CASAL SE ABRAÇANDO
Foto: Igor Érico on Unsplash - 

Um “Eu” de alívio para desaguar toda uma longa espera, entre o toque do telefone, o combinado do encontro, a preparação, a escolha da roupa, da bolsa, do sapato, do sorriso encantado. Sem dúvida, poderia ter dito um simples “Eu te amo”.

Porém, tinha alguma coisa a mais. Igual à palavra do escultor diante da sua obra: Parla! Era no olhar que estava a diferença. Foi dito no calor de um brilho nos olhos, aquecido no antes da festa, na fantasia do espelho.

De onde ela tirou todo aquele brilho? Aprendeu com alguém? Possivelmente leu de algum poeta, afinal, onde poderíamos ter aprendido a cortejar, sussurrar se não fosse de um poeta, no aprender ler e fazer poesias?

Muitos diriam então que se não sabemos fazer poesias ou não as entendemos, como falar essas coisas para alguém, se não somos poetas? Caberia outra pergunta: quando nos apaixonamos pela primeira vez, o que logo nos vem à cabeça para preencher a longa ausência da pessoa amada? Como encadeamos pensamentos para dizer o limite das nossas paixões…? É..., pois é!

Mas, com certeza, houve uma primeira vez. E quem poderia ter sido esse ser? Esse alguém que arriscou pela primeira vez receber o impacto dessa expressão? Possivelmente alguém capaz de colocar dentro do ser humano um sentimento tão caro e tão desejado e, ao mesmo tempo, tão fácil de alcançar. Isso, Ele mesmo. E parece-nos que gostou tanto que resolveu disseminá-lo para que muitos o sentissem e expressassem.

Deus lá, naquele paraíso imenso, com todas aquelas belezas criadas, aguardando o domingo para o descanso, deveria ter pensado: e se alguém aparecesse para correr para o abraço? No Seu regaço. Alguma expressão teria de dizer. De agradecer, encantar, de reconhecer, de... sentir.

O rapaz, como um deus, recebeu, abraçou a menina e foram andando.

Nilson Lattari

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Crônicas e Contos

NILSON LATTARI é carioca e atualmente morando em Juiz de Fora (MG). Escritor e blogueiro no site www.nilsonlattari.com.br, vencedor duas vezes do Prêmio UFF de Literatura (2011 e 2014) e Prêmio Darcy Ribeiro (Ribeirão Preto 2014). Finalista em livro de contos no Prêmio SESC de Literatura 2013 e em romance no Prêmio Rio de Literatura 2016. Menções honrosas em crônicas, contos e poesias. Foi operador financeiro, mas lidar com números não é o mesmo que lidar com palavras. "Ambos levam ao infinito, porém, em veículos diferentes. As palavras, no entanto, são as únicas que podem se valer da imaginação para um universo inexato e sem explicação".

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