Foucault, em uma de suas obras, falou de um futuro sobre o cuidar de si. O sujeito ter uma relação de si para consigo para que possa se cuidar, purificando-se, conhecendo-se e promovendo seu próprio desenvolvimento. Quem sabe, muitos em isolamento imaginaram e comprovaram, na prática, esse estágio humano do cuidar de si mesm. E se descobriram diferentes diante do mundo para o qual vão retornar.
Imaginamos esse caminhar pelas ruas, munidos de máscara, álcool e resiliência, para combater o inimigo invisível, muitas vezes sendo transportado por um semelhante que não teve o mesmo cuidado de si, por ignorância, tanto intelectual quanto moral. Pensar no cuidar de si quando muitos se revoltam com os cuidados patrocinados pela ciência. E cuidar de si somente dentro de templos quando se supõe estar diante de Deus e, naquele momento, pensa cuidar do espírito e o corpo bem distante dali.
Penso nisso, muito mesmo, como será voltar ao burburinho das multidões, poder conversar com desconhecidos, trocando informações, rir e ouvir piadas e pensar, no mesmo instante, qual foi a postura dele diante da intempérie que se abateu sobre nós.
Cuidar de si é um pouco dessa reflexão e imaginar qual será e qual foi o nosso papel no mundo catastrófico que se abateu sobre nós. Quantos planos foram desfeitos, adiados e que se perderam?
Poderemos pensar em planos? Quem é que está ao nosso lado? O que ele pensa, o que ele pensou, o que passou a esconder quando seus pensamentos não se tornaram realidade?
Cuidar de si é viver cada um por si? Onde fica a solidariedade humana? Qual o sentido de ser politicamente correto quando no fundo do nosso coração ele não bate no mesmo ritmo, em completo descompasso com as nuvens que estão dentro do nosso cérebro?
Seremos os mesmos? Quando rimos para o outro, esse riso será sincero, será uma forma de distanciar e fazer com que nosso espaço se delimite e, portanto, cuidar de si passa a ser um exercício de egoísmo, uma luta por sobrevivência?
O mundo não será o mesmo porque ele nunca foi nada mais nada menos que uma luta intestina por espaços. Esse problema de espaços não é uma luta por seu espaço, até porque cada um coloca esse espaço tão extenso quanto à ambição. E quando nos espalhamos ocupamos o espaço do outro e nosso egoísmo se torna maior.
Os encontros virtuais ocuparam os espaços dos encontros pessoais? Conviver com o outro nos trará um certo cuidado de si pela distância, pela desconfiança?
Podemos dizer que cada um deve cuidar de suas vidas, quando, na verdade, a vida é somente uma. E estamos, literalmente, ligados um ao outro, fazendo coisas juntos e definindo futuros e definindo a nossa vida, que é de todos.
Cada um por si pode significar muito mais responsabilidade do que, simplesmente, uma individualidade. Cuidar de si não significa ignorar o outro. Cuidar de si também pode significar uma defesa diante do outro. Cada um por si é um paradoxo.
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