Coluna

Monarco: Baluarte dos Bambas

“Portela, eu às vezes meditando,

Quase acabo até chorando

Que nem posso me lembrar

Teus livros têm tantas páginas belas

Se for falar da Portela, hoje não vou terminar”

- Marineth, a harmonia e a poesia do samba “Passado de glória” revestiam a performance artística de Monarco, com trejeito peculiar, inigualável, ao cantar no palco da Roda de Samba do MIS. A plateia, como que hipnotizada, curtia com admiração o consagrado compositor da escola de samba Portela. E, como apresentador do show, lá do cantinho da pequena arena musical, com arte visual do artista Mello Menezes, testemunhei a plena sintonia de Monarco com o público. E, também, a participação dele no samba do Bloco Mis a Mis, que desfilava da Praça XV à Lapa. O acompanhei na gravação do samba. Exteriorizava simpatia e não escondia o prazer em atender as demandas que a direção do MIS - Museu da Imagem e do Som - sempre lhe solicitava.

Hildemar Diniz, o Monarco, Baluarte dos Bambas
Hildemar Diniz, o Monarco, Baluarte dos Bambas - 

- Athaliba, simpatia e generosidade eram marcas genuínas do sambista, né?

- Sim, Marineth. Essas lembranças de Hildemar Diniz, que deu vida artística a Monarco, o Baluarte dos Bambas, me saltaram à memória ao saber da sua morte, em 11/12. Foi a Marília Trindade Barboza, ex-presidente do MIS, que me comunicou da doença que acometia o sambista e que o levara à hospitalização. Fui assessor de imprensa da instituição na gestão dela, no governo Anthony Garotinho/Benedita da Silva, e tivemos uma administração memorável. Mas, devido à falta absoluta de investimento por parte do governo à cultura, pedi exoneração do cargo.

- Athaliba, então ocê pulou prá fora da pirâmide dos podres poder do Garotinho, heim!

- Antes da roubalheira praticada por ele e da qual é acusado na justiça, Marineth. Também como a Rosinha, sua mulher, o Sérgio Cabral, Luiz Fernando Pezão, Moreira Franco e o ex-juiz Wilson Witzel, que governaram de forma vergonhosa o Rio de Janeiro. Bem, como contava sobre a conversa com a Marília, relembramos atividades realizadas no MIS que incluiu a reativação do Projeto Depoimentos para Posteridade; lançamentos de livros; exposições; reformas pontuais nos prédios das sedes da Lapa e Praça XV; Festival de Choro do Rio, criação do bloco MIS a MIS; Roda de Choro e a Roda de Samba. Essas atividades proporcionavam visibilidade a artistas ignorados por conveniência pela grande mídia, por não se enquadrar nos padrões de rentáveis negócios artísticos de baixa qualidade que ainda predominam no mercado artístico.

- Athaliba, o Monarco vai se tornar figura mitológica do samba?

- Marineth, em vida, eu já o considerava Baluarte dos Bambas. Creio que poucos como ele se dedicou tanto à preservação do patrimônio da nossa maior manifestação cultural popular. Por toda a trajetória dos seus 88 anos, Hildemar Diniz viveu a essência do samba, foi memória viva e autêntica da história do samba e será sempre a personificação do sambista de verdade. Mesmo adversários o respeitavam.

- Como, Athaliba?

Hildemar Diniz
Monarco-, Márcio e Lenin Novaes em registro no Museu da Imagem e do Sim - MIS

- Marineth, o saudoso amigo e jornalista Jarbas Domingos Vaz era diretor da Portela, na gestão Nilo Figueiredo, e pediu-me para ser assessor de imprensa da agremiação. Mãos à obra, meu objetivo era reerguer o Centro Cultural da escola, criado por Hiram Araújo e Carlos Monte. Fiz a ponte com a direção da Escola de Belas Artes da UFRJ. Mas, a direção da Portela travou e não houve progresso. Sai de cena. E veio às eleições. Na oposição, o desempenho taciturno de Monarco foi decisivo à vitória da chapa adversária. O carisma dele evidenciou-se e a situação deu a mão à palmatória. E o líder da Velha-Guarda, então, tornou-se presidente de honra da Portela.

- Athaliba, o Monarco nunca ganhou disputa de samba-enredo na azul-e-branco, né?

- Marineth, o Baluarte dos Bambas sempre teve finalidade maior. Veja no documentário Mistério do Samba e, também, o DVD Monarco: a Memória do Samba. O samba “Passado de glória” me remete a outra obra prima dele, “De Paulo da Portela a Paulinho da Viola”, no qual diz o seguinte: “Antigamente era Paulo da Portela/Agora é Paulinho da Viola/Paulo da Portela, nosso professor/Paulinho da Viola, o seu sucessor/Vejam que coisa mais bela/O passado e o presente da nossa querida Portela/Paulo, com sua voz comovente/Cantava, ensinando a gente/Com pureza e prazer/O seu sucessor na mesma trilha/É razão que hoje brilha/Vaidade nele não se vê/Ó, Deus/Conservai esse menino que a Portela do Seu Natalino/Saúda com amor e paz/Quem manda um abraço é Rufino/Pois Candeia e Picolino/Lhe desejam muito mais”.

- Athaliba, que Monarco, o Baluarte dos Bambas, para sempre possa ser lembrando. Axé!

Lenin Novaes

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Crônicas do Athaliba

LENIN NOVAES jornalista e produtor cultural. É co-autor do livro Cantando para não enlouquecer, biografia da cantora Elza Soares, com José Louzeiro. Criou e promoveu o Concurso Nacional de Poesia para jornalistas, em homenagem ao poeta Carlos Drummond de Andrade. É um dos coordenadores do Festival de Choro do Rio, realizado pelo Museu da Imagem e do Som - MIS

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