- Athaliba, assim como na Câmara de Vereadores de Itabira, em Minas Gerais, só tem uma mulher entre parlamentares, lá em São Borja, no Rio Grande do Sul, a situação é igual. Porém, no entanto, um pequeno detalhe faz grande a diferença: a parlamentar é mulher trans. A paridade entre ambas é que são negras. Em Itabira do Mato Dentro, cidade berço de nascimento do poeta Carlos Drummond de Andrade, a Rosilene Félix Guimarães circula no parlamento dominado por 16 homens. Enquanto que, na “terra dos presidentes”, a travesti Lins Robalo transita na ponta dos pés entre outros 14 vereadores. E logo no início do mandato levou um baita tranco, tipo chega prá lá. A sua chefe de gabinete foi exonerada de forma arbitrária pelo presidente do parlamento. Ela é uma mulher trans na toca machista, literalmente.
- Marineth, antes de detalhar os fatos da eleição da Lins Robalo e da exoneração da chefe de gabinete dela, por favor, explique o significado de “terra dos presidentes”. O que é isso?
- Sabe não, Athaliba? Ah, coitado! Ocê precisa saber mais sobre algumas singularidades do Brasil. A cidade gaúcha de São Borja é rotulada de “terra dos presidentes” por ter sido berço de nascimento dos presidentes Getúlio Dornelles Vargas (1882-1954) e João Belchior Marques Goulart (1919-1976). Cidade natal do ex-governador do Rio Grande do Sul, Tarso Fernando Herz Genro, que foi prefeito de Porto Alegre, por duas vezes, e ministro da justiça, das Relações Institucionais e da Educação no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. É de lá também o ex-deputado federal Ibsen Valls Pinheiro (1935-2020), que ganhou projeção durante o processo de impeachment do ex-presidente Fernando Collor, por presidir a Câmara dos Deputados. Getúlio Vargas suicidou-se e João Goulart foi derrubado do poder pelo golpe empresarial militar de 1964.
- Marineth, valeu. Agora esmiúça o caso da mulher trans que é vereadora de São Borja.
- Ocê observou que os descritos são homens brancos e cisgênero, né, Athaliba? Pois bem, a mulher trans Lins Robalo furou a bolha daquela definição. Ela é transgênero. É a representante única das travestis e de outros gêneros sexuais LGBTI+, além das mulheres e negros na Câmara de São Borja. E, na toca machista, levou de cara uma traulitada, bordoada, cacetada política, em maio. A chefe de gabinete dela foi exonerada do cargo pelo presidente do parlamento, José Luiz Machado (PP), sob o argumento de panfletagem racista. Num boletim o qual alertava os eleitores a não votar em 2022 e em 2024 em quem colocava a saúde da população em risco, em relação à pandemia do COVID-19, teria o termo “brancos elitistas”.
- Trem doido, heim, Marineth! Quer dizer que a publicação em defesa da prevenção contra o vírus que matou mais de cinco milhões de pessoas no mundo, dentre as quais mais de 600 mil no Brasil, foi considerada preconceituosa?
- Sim, Athaliba. E passado seis meses, o caso ainda esta pendente, sub judice. Lins foi a 12ª mais votada, com a legenda do Partido dos Trabalhadores - PT. Os desafios que essa mulher trans vereadora tem pela frente são diversos e difíceis de superar. A pressão sobre ela tem a temperatura de ebulição o tempo todo. Isso já era esperado. E tem plena consciência, pois afirma que “a política aqui (na Câmara) é pautada por uma referência de masculinidade; a gente tá falando da ‘terra dos presidentes’. No entanto sou uma pessoa de luta. Não se entra em um campo de batalha sem saber que a gente precisa ter muita força, que às vezes a gente vai sair ferido, mas não pode desistir. Estou pronta para defender nossas pautas coletivas”.
- Bah, que guria arretada da peste, Marineth. Essa prenda provoca frio de renguear cusco nos pares masculinos no parlamento. Tchê, os guaipecas que se cuidem!
- Athaliba, a Lins Robalo é tri legal. Sobre a exoneração ela disse que “foi uma decisão arbitrária; isso foi uma violência política; é a própria estrutura machista de não conseguir compreender os mandatos que não seguem o perfil branco e machista. A gente sabia que seria difícil e conturbada nossa passagem pela Câmara, mas justamente por isso decidimos entrar para o campo político, para ocupar o espaço e trazer nossas demandas prá dentro dessa estrutura”.
- Marineth, essa mulher trans é de cair os butiá do bolso de tamanha coragem!
- Athaliba, ainda durante a campanha eleitoral de 2020, defendendo cinco eixos de luta, ela afirmava que “minha candidatura fala sobre a importância de a gente se sentir representado, de se olhar e se encontrar em lugares de tomada de decisão. Este corpo travesti que vai ocupar a vaga no Legislativo é só a materialidade de anseios coletivos”. Viu, a luta apenas começou!!!
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