Opinião

EU NÃO ANDO SÓ!

arte: @tatiana_henrique


Cecília acordou na quarta-feira com o sol batendo forte na janela de seu quarto. Tinha algo de diferente naquele amanhecer, ela sentiu assim que abriu os olhos e viu todo o quarto alaranjado: Hoje vai ser um dia profundo, de grandes ensinamentos, falou para si mesma. 

Tentou prolongar o estado de preguicinha matutina por mais alguns minutos, mas os passarinhos nada discretos que resolveram brincar em seu telhado, espantaram qualquer vestígio de sono. A contragosto, inspirou e expirou fundo, alongou-se, tirou o pijama, escovou os dentes e pôs-se a meditar. Ao contrário do que sempre ouvira a vida toda, estava aprendendo que coisas como meditação, terapia e comida de base vegetal também era coisa do povo preto. Até o yoga, que na sua cabeça sempre foi coisa de menininha branca mimada, ela estava ressignificando após conhecer o Kemetic Yoga, uma prática nascida na África muito antes da modalidade indiana. 

Cecília sempre entrava em estado meditativo com alguma pergunta, ciente de que o Orum continha as respostas que aqui no Aiyê custava chegar. Em poucos segundos, foi tomada por enorme alegria, sentimento controverso diante das respostas, pois havia acabado de saber que a mais terrível das hipóteses estava confirmada, o pior iria acontecer. Estranhou a sua calmaria, a ausência de medo ou raiva. Mas ao olhar no celular, entendeu tudo. Era, quarta-feira, dia do seu Orixá de cabeça. Akô Kabecilê, Xangô Obá Iná. Nenhuma vírgula estava no lugar errado, tudo estava exatamente onde tinha que estar. Respirou fundo novamente e foi lá experienciar o que se apresentava. 

- O que você sentiria se os seus segredos mais íntimos, compartilhados com a pessoa em que mais confia na Terra, fossem expostos nas redes sociais após uma discussão rotineira, e virassem a piada do dia para centenas de pessoas? 

- O que você sentiria se aquela amiga de infância, que sabe que você guarda a chave de casa embaixo do tapete quando sai de manhã pra caminhar, entrasse na sua casa e roubasse os seus tesouros mais preciosos? 

- O que você sentiria se a pessoa que você ama, contasse mentiras suas pra toda a cidade, prejudicando sua imagem pessoal e também as oportunidades profissionais, apenas porque você não quis fazer sexo com ela? 

Ira, raiva, angústia, tristeza, revolta, insegurança, ódio, frustração, medo. Um conjunto de sentimento bem razoáveis diante do contexto, não? Não para Cecília! Não hoje. 

Ao longo de toda a sua vida, ela vinha reagindo às mais duras situações do cotidiano através desse conjunto de sentimentos, e tinha muitas razões para acreditar que foi o ato de alimentar esses afetos tristes dentro de si, por tanto tempo, que lhe causara um Câncer. Agora que estava curada, quando uma situação terrível como estas se apresentava, ela se perguntava: e agora, o que eu vou fazer com o que fizeram de mim? E a resposta era sempre a mesma: autoamor!  

E se lembrava dos dizeres de Vóinha: fia, a vida é influenciada pela forma como a gente pensa, age, sente, fala e vive. Ocê se transforma em tudo aquilo que cê pensa. Os pensamentos da fia vão acabar influenciando as palavras. Que vão influenciar os sentimentos, e também vão influenciar as atitudes que cê tem na sua vida, e, no finalzinho, vão influenciar os hábitos da fia. Esses hábitos que cê tem criado por causa da influência das ações, sentimentos, palavras e  pensamentos, podem ser hábitos alinhados a um padrão vibracional nocivo ou saudável. É a fia que escolhe! 

Assim, Cecília colocou seu Orixá na frente pra guiar seus passos, as Yabás do seu lado para ergue-la em caso de tropeção, e todos os Mestres, Guardiões, Erês, Caboclos, Boiadeiros, Baianos, Pajés, Jesus, Maria e José atrás dela para fazer sua proteção e foi lá viver, sabendo que “é do ouro de Oxum que é feita armadura que cobre o seu corpo”. 
 

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