O fim de ano se aproxima e com ele os preparativos para as festas de Natal e Ano Novo. A família já começa a ficar ouriçada fazendo plano e mais planos. Como todos já estão vacinados, resolveram dar uma festança para celebrar a vida e também para “beber o morto” vitimado pela COVID-19, esta é uma tradição antiga do nosso povo que reverencia aqueles que atravessaram o véu para outros mundos. Uma das surpresas desse ano será a ceia mista, metade carnista e metade vegana, e um grande encontro que irá unir os parentes espalhados por 12 estados do Brasil. Djamila e Caetana, estavam trabalhando duro na criação de um vídeo que teria fotos e fatos da família, quando entraram em parafuso com algumas reflexões:
- Se a ideia do vídeo é voltar lá atrás nos nossos primeiros ancestrais, a gente precisa falar da escravidão. Quer queira ou não, é esse o começo da nossa história!
- Discordo Djamila! Essa é a versão da História que aqueles homens que chegaram nas Américas na proa do navio com o chicote na mão, contaram, e querem que a gente acredite!
- Uai, mas essa é a História que a Escola conta. Tem outra História além dessa?
- Claro que tem. Qual a versão da história daqueles que também chegaram no navio, mas estavam acorrentados no porão? E qual a versão da história daqueles que já estavam nessas terras quando esses navios chegaram?
- Caramba, é verdade! Existem muitas Histórias, e por que será que a gente só tem acesso a uma delas, seja na Escola, nas Novelas, em Filmes e nos Museus?
- Essa é a pergunta que vale 1 milhão de reais, prima, rs. E também poderia ser feita de outra maneira: Por que se apaga a história negra? Por que se apaga os saberes e tecnologias negros? Por que se apaga as filosofias negras?
- Isso é terrível, porque o apagamento de uma História em prol da outra, faz com que essa que é apagada fique invisível. Nossa, a minha cabeça dá até um nó só de pensar!
- É realmente muita informação, prima. E o principal perigo dessa História única que é contada sob as lentes daqueles que chegaram aqui com o chicote na mão é o apagamento da nossa existência.
- Como assim?
- Se a gente acredita nessa história que eles contam, começamos a acreditar também que tudo que é nosso é menos civilizado e desenvolvido do que as coisas deles. Vou te dar um exemplo, passamos a achar que nossas plantas tem menos poder que o remédio da farmácia, que as nossas parteiras tem menos habilidade que o médico obstetra, que a nossa religiosidade é coisa do demônio, enquanto a deles é sagrada, e por aí vai...
- Faz total sentido, prima! Acho que comecei a entender o tal perigo da História Única que aquela escritora nigeriana tanto fala... Mas e agora que a gente já sabe que a nossa História não começa na escravidão, como é que a gente inicia esse vídeo ein?
- O que você da gente começar o vídeo dizendo que a escravidão, na verdade, representa o fim da nossa história e não o início dela?
- Acho bastante polêmico, e eu adoro uma polêmica hahaha. Mas sendo assim, qual seria o início da nossa História?
- Aí a gente joga essa bomba no colo desse povo, ué. Todos sabem que já existia África antes da escravidão, já existia África antes mesmo da tal “descoberta” das Américas. Não dá pra deixar tudo mastigadinho também, né?
- Boa! Vamos fazer assim então.
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