Coluna

A vida pela hora da morte

bandeira da fome
Sem reforma agrária, a condição de fome extrema no Brasil ainda causa morte por inanição

- Athaliba, a vida está pela hora da morte. Sobreviver no Brasil é uma labiríntica aventura, desde o processo selvagem de colonização. A situação escancara na pandemia do COVID-19 e, creia, pode dizimar boa parte da população de pouco mais de 210 milhões de pessoas da nossa pátria amada. Temos cerca de 40 milhões de compatriotas vivendo em extrema pobreza. É quase o total da população da Argentina. Mais de duas vezes a população do Chile. Cinco vezes o total da população do Paraguai. Dez vezes mais que a população do Uruguai. Isso é um absurdo!

- Marineth, o trem é doido. Curvar-se à vida como ela é, ou, ainda, “deixa a vida me levar”, como propaga o samba de Serginho Meriti e Eri do Caís, considerado “marco” da carreira artística de Zeca Pagodinho, é coisa de alienado. Assemelha-se à música “Tudo está em seu lugar”, como cantava Uday Vellozo, cujo nome artístico é Benito di Paula, na década de 1970.

- Athaliba, antes que eu continue a esmiuçar a vida de pobreza no Brasil, me conte sobre a banalidade musical que desvia o povo da luta por melhores condições de sobrevivência.

- Marineth, não estou colocando o Zeca Pagodinho no mesmo balaio do Benito di Paula, apesar da vala comum de “Tudo está em seu lugar” e “Deixa a vida me levar”. Como diz o samba “Argumento”, de Paulinho da Viola: “Tá legal/ Eu aceito o argumento/Mas não me altere o samba tanto assim/Olha que a rapaziada está sentindo a falta/De um cavaco, de um pandeiro/Ou de um tamborim/Sem preconceito/Ou mania de passado/Sem querer ficar do lado/De quem não quer navegar/Faça como o velho marinheiro/Que durante o nevoeiro/Leva o barco devagar”. O cenário musical, infelizmente, é predominado pela vulgaridade, cuja representatividade atual tá formatada na coreografia exuberante do bumbum executando “quadradinho de oito”. Ocê sabe fazer?

- Athaliba, faça o favor, heim! Até aprecio as performances da Anitta, Ludmilla, Mirella, Tati Zaqui, Pocah e Valesca Popozuda que deixam homens com “olharzinho de peixe morto” e atiçam a ingenuidade de pré-adolescentes em imitá-las, principalmente nas lajes de casebres em favelas e morros do Rio de Janeiro. O sonho de consumo do meu bumbum é sentar em assento sanitário com temperatura quente e fria ajustada por controle remoto, como tinha o ex-governador Sérgio Cabral no banheiro do aptº do Leblon. Será que ele, agora, tem que ficar de cócoras sobre os calcanhares na latrina da prisão do complexo penitenciário de Bangu, conhecida como “boi”, para processar a necessidade número dois? Será?

- Marineth, “deixe de lado esse baixo astral” e demonstre a situação de miserabilidade do povo brasileiro.

- Athaliba, a condição de vida no Brasil piorou muito no decorrer da pandemia que já levou à morte mais de quatro (4) milhões de pessoas no mundo, sendo mais que 540 mil óbitos no país. Na data atual, a nossa pátria é o 2º país com mais mortes, o 3º com maior número de pessoas infectadas e o 4º que mais aplicou doses de vacinas contra o vírus. Na estatística do Ministério da Cidadania - órgão resultante da união dos Ministérios de Desenvolvimento Social, Esporte e da Cultura - estão cadastradas mais de 14 milhões de famílias com renda per capita de até R$ 89.

- Marineth, essa quantidade de famílias é absurdamente superior à população do território ultramarino da França, a Guiana Francesa, aqui na América do Sul.

- De longe, Athaliba, muito superior, considerando o mínimo de quatro pessoas por família. A quantidade de pessoas em situação de insegurança alimentar grave (ou seja, passando fome) aumentou em cerca de três milhões, em cinco anos, atingindo cerca de 10.3 milhões de patriotas. É importante assinalar que esses dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) se referem aos moradores de domicílios permanentes. Pois o levantamento não inclui a multidão de pessoas em situação de abandono nas ruas. Portanto, o número de pessoas que passa fome na nossa pátria amada pode ser quadriplicado.

- Marineth, como é que pode o Brasil registrar morte por inanição, sendo tão privilegiado de recursos alimentares? É que a terra em se plantando tudo dá, mas, a terra, no entanto, não nos pertence e, sim, às famílias dominantes do território azul-anil. Até quando?

- Pois é, Athaliba, como ocê diz: “o trem é doido”. A profunda mudança no Brasil passa por reforma agrária, no combate à fome. Por isso continuo ouvindo “Prá não dizer que não falei das flores”, como canta Zé Ramalho no link https://www.youtube.com/watch?v=d8E3xy4cppo. Ainda vou te contar a marmelada que a ditadura empresarial-militar aprontou no festival em 1968.

Lenin Novaes

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Crônicas do Athaliba

LENIN NOVAES jornalista e produtor cultural. É co-autor do livro Cantando para não enlouquecer, biografia da cantora Elza Soares, com José Louzeiro. Criou e promoveu o Concurso Nacional de Poesia para jornalistas, em homenagem ao poeta Carlos Drummond de Andrade. É um dos coordenadores do Festival de Choro do Rio, realizado pelo Museu da Imagem e do Som - MIS

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