Coluna

O MENINO QUE ROUBAVA CINZEIROS

cinzeiro
Pixabay. 

Rio - Nunca fumei e isso se tornou um vício.

Apesar de nunca ter fumado, desde jovem tenho uma mania no mínimo estranha: roubar cinzeiros.

Tenho uns 100 em casa. Afanados de hotéis, e restaurantes, principalmente.

Sei que é um delito menor, mas isso, algum tempo atrás - e de algum modo - já abalou minha estatura moral.

O que me livrou de algumas visitas ao analista e me deixou mais tranquilo foi saber que não estou sozinho nessa. O escritor e jornalista Ruy Castro - por diversas vezes - também já praticou esse delito.

Inclusive, sem pudor, escreveu uma crônica, ‘Apagando o Passado’, no livro “Morrer de Prazer - crônicas da vida por um fio”, contando a história de como se transformou em um profissional na arte de afanar cinzeiros.

Morri de inveja.

Enquanto eu, na minha condição de fumante passivo, surrupiava cinzeiros de hotéis de quinta categoria, no Rio de Janeiro, Ruy Castro começou afanando o cinzeiro do lendário Hotel Algonquin - na rua 76 com Madison avenue, em Nova York, cujo salão traz, em molduras simplórias, os originais dos cartunistas da revista "The New Yorker" que o frequentavam nos velhos tempos: James Thurber, Charles Addams, Peter Arno e Saul Steinberg -, onde, provavelmente, a escritora Dorothy Parker apagou algumas guimbas.

Outro feito do jornalista foi surrupiar um cinzeiro do Café de Paris, na Via Veneto, em Roma, cenário de ‘A Doce Vida’, de Fellini, na vã esperança de que Marcello Mastroianni tivesse apagado nele um dos 400 cigarros que fuma no filme.

Outro foi o do Café Carlyle, na Quinta Avenida, em Nova York, onde, todas às segundas-feiras, pontualmente às 20h45, Woody Allen toca sua clarinete e Bobby Short, eventualmente, tocava ‘Flying down to Rio’.

Outro ‘troféu’ do Ruy Castro é um cinzeiro de um café de Budapeste que era frequentado por Puskas, atacante do Honvéd e da seleção húngara, de 1954.

Além deles, nos anos 80, com a ajuda de um amigo, o fotógrafo David Zingg, Castro consegui um cinzeiro do Ernie’s , o restaurante em que James Stewart viu Kim Novak pela primeira vez em ‘Um corpo que cai’, de Hitchcock.

Com a Lei Antifumo de 2014, hotéis e restaurantes deixaram de exibir seus robustos cinzeiros em suas dependências e nossa mania acabou.

Mas, quem sabe, de repente, o fumo em locais públicos, assim como a pochete, não volta.

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