Coluna

NÓS JÁ VIMOS ESSE FILME

Rio - Sempre que me canso de escrever sobre política, gosto de escrever sobre livros e filmes.

A escolha do médico cardiologista Marcelo Queiroga para ocupar o cargo de Ministro da Saúde - depois da médica Ludhmila Hajjar se recusar a “se sujeitar” às normas do presidente Jair Bolsonaro no “combate” a pandemia -  me lembrou os filmes americanos de proteção a testemunha. 

A entrevista com o médico, daria um ótimo argumento para um filme, onde o FBI se empenha para proteger uma testemunha. A conversa, segundo um dos participantes da reunião, foi mais ou menos essa:

ILUSTRAÇÃO NANI
Arte - Nani. 

- Queiroga, deram-nos muito boas referências suas - disse o presidente.

- Obrigado, presidente. Eu sou presidente da Sociedade Brasileira de Cardiologia; graduado em medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Paraíba; doutorado em Bioética pela Faculdade de Medicina da Universidade do Porto/Portugal…

- Sim, isso nós sabemos. Mas o que mais me impressionou no seu curriculum foi o fato de o senhor ter mencionado que é amigo dos meus filhos.

- Bons meninos.

- Qual o seu nome, doutor? - perguntou o presidente.

- Marcelo Queiroga

- Era - cortou, Bolsonaro.  - Seu nome agora é “Dr. Cloroquina”. Aqui estão os seus novos documentos. 

- Mas, presidente, por quê isso?

- Nós precisamos proteger o senhor e sua família - disse um homem de óculos escuro, sentado ao lado do presidente. - O senhor vai ganhar uma nova identidade.  Novo nome, novo endereço, novos hábitos e novos pensamentos.

- Mas, porque “Cloroquina” ? Eu sou contra esse medicamento.

- Era. Agora o senhor é a favor. A partir de hoje o senhor vai defender a cloroquina, a ivermectina, a azitromicina e a anita. 

- Mas, presidente, a comunidade médica mundial é contra a prescrição desses remédios no combate a Covid-19.

- Não importa. Isso daí é outra "cuestão". O importante é mantermos sua identidade protegida. Precisamos preservar o seu disfarce. A partir de hoje o senhor será o homem mais procurado do país. Os comunistas, os petistas, a esquerda, o STF, os médicos, o povo revoltado... todos estarão no seu encalço.

- E quanto ao lockdown? Eu sou contra ou a favor? - quis saber o novo ministro.

- Contra, claro. Totalmente contra.

- Mas, presidente, a imprensa sabe que eu sempre fui a favor das pessoas ficarem em casa.  

- A partir de agora, o senhor vai dizer que “todos os brasileiros, acima de 90 anos”, devem ficar em casa, pois fazem parte do grupo de risco. O resto, tem que ir para as ruas. Afinal, nós precisamos do gado (digo) dos apoiadores nas ruas.

- Hum!...Tem mais alguma coisa que eu sou contra?

- Sim - apartou Flávio Bolsonaro. - O senhor é contra o aborto, contra o Lula, contra a esquerda, contra a vacina, contra o Doria…

- Não tem nada que eu seja a favor? - quis saber “Dr. Cloroquina”.

- Sim. O senhor é a favor do porte de armas.

Ediel Ribeiro (RJ)

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Coluna do Ediel

Ediel Ribeiro é carioca. Jornalista, cartunista e escritor. Co-autor (junto com Sheila Ferreira) do romance "Sonhos são Azuis". É colunista dos jornais O Dia (RJ) e O Folha de Minas (MG). Autor da tira de humor ácido "Patty & Fatty" publicadas nos jornais "Expresso" (RJ) e "O Municipal" (RJ) e Editor dos jornais de humor "Cartoon" e "Hic!". O autor mora atualmente no Rio de Janeiro, entre um bar e outro.

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