Coluna

ASPAS

GRAMA SINTÉTICA
 Foto:Ben Hershey / Unsplash. 

Aspas é aquele sinal gráfico que colocamos antes, e depois, de uma frase, de uma palavra, de uma expressão, significando que aquilo que está ali não é bem o que está ali. Ou seja, não acredite, porque é alguma coisa que não tem sentido, ou pode ser, também, relevante (não coloque a culpa nas aspas!).

Podemos utilizá-las, também, quando usamos ambas as mãos para ironizar o que foi dito por alguém, ou em nossas próprias palavras, como se fossem dois clipes para pendurar no ar coisas sem sentido, especialmente nas palavras que querem dizer o que não é possível existir: uma ironia.

Imagino que alguns discursos de políticos, de algumas celebridades que dizem ter emagrecido sem fazer nenhuma dieta, comendo de tudo, ou que nunca fizeram plástica, sendo os depositários da eterna juventude, mereçam ser aspados. Quanto aos políticos, bem...

Aspas também tem um certo sentido quando denominamos “Aspone” (eis aí o uso das aspas) como uma função, um cargo inventado para fazer, exatamente, o que não é para fazer, logo, seria algo que não existe. Mas alguns dizem que existe, logo a coisa toda não tem sentido nenhum, nem a existência das aspas. Louco, né? Ou melhor dizendo, o sujeito que tem a função de “Aspone” pode ser apontado na rua como aquele cara aspado, e aspado existe como palavra dicionarizada, não precisa aspar.

Consta, nos anais do Ministério da Educação, um órgão encarregado de acompanhar e tornar viáveis as políticas do ministério junto ao Congresso Nacional, com a seguinte função: “Cabe à assessoria a análise, controle de prazo, redação, elaboração e encaminhamento de respostas a requerimentos de informação e indicações; controle e acompanhamento de audiências dos parlamentares com o ministro e com os secretários do MEC”, aspas. A assessoria atende pelo nome, peculiar e oportuno, de Assessoria Parlamentar, a ASPAR. 

Juntando tudo isso, podemos concluir que a ASPAR atende por esse nome, exatamente, para fazer uma burocracia simplória, donde podemos entender, fazer coisas triviais, como coletar informações. Ou seja, as aspas têm a função de dizer… o óbvio.

É mais ou menos como contratar uma assessoria, ou uma ASPAR, pelo singelo valor de R$ 2.7 mil, para bisbilhotar, entre os Youtubers e Influencers, aqueles que são do agrado ou não do governo. Ou seja, o governo pagou para saber, exatamente, o que todos sabem. Poderia perguntar isso para qualquer um que estivesse passando pela rua,  por ali sem fazer nada. Ou seja, sairia bem mais barato, abre aspas, para um Aspone que estivesse passando, querendo encontrar alguma coisa para fazer.

Nos tempos atuais poderíamos incluir, além da figura do lacrador, o aspador, não seria legal? Em muitos textos com fake news, por exemplo.

Essa palavra de cinco letras e que possui, somente, a vogal A tem um significado bem mais mórbido, do que supõe a nossa fina ironia, aspas. O significado dela é “Mortificar, crucificar na cruz de Santo André”. Estou aspando porque retirei de algum lugar, no caso, o dicionário Aurélio, ou seja, eu não sou a fonte, a reproduzo.

A cruz de Santo André é uma figura em formato de cruz, ou um X, que foi a escolhida por Santo André, posto de cabeça para baixo, porque não se julgava merecedor de ser crucificado como o Mestre, em seu suplício.

Ela pode ser encontrada, também, como sinal de aviso quando a rodovia cruza uma estrada férrea, o que, podem acreditar, não é uma ironia, e nem aspas, é sério.

O nome, escrito de trás para frente, é SAPSA, que não quer dizer, absolutamente, nada, ou pode também significar o nome de alguma operação policial: Operação Sapsa, sabe-se lá o quê.

Enfim. Na próxima vez que você usar as aspas, seja assinalando alguma frase, ou fazendo o sinal com os dedos, lembre-se de estar certo ao fazer ironia, ou será, devidamente, aspado.

Nilson Lattari

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Crônicas e Contos

NILSON LATTARI é carioca e atualmente morando em Juiz de Fora (MG). Escritor e blogueiro no site www.nilsonlattari.com.br, vencedor duas vezes do Prêmio UFF de Literatura (2011 e 2014) e Prêmio Darcy Ribeiro (Ribeirão Preto 2014). Finalista em livro de contos no Prêmio SESC de Literatura 2013 e em romance no Prêmio Rio de Literatura 2016. Menções honrosas em crônicas, contos e poesias. Foi operador financeiro, mas lidar com números não é o mesmo que lidar com palavras. "Ambos levam ao infinito, porém, em veículos diferentes. As palavras, no entanto, são as únicas que podem se valer da imaginação para um universo inexato e sem explicação".

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