Coluna

OS DOIS JOÕES

mascara no chão
Foto: Clément Falize / Unsplash

Para iniciar nossa conversa, não vamos falar sobre religião. Qualquer que seja. Esse religare, essa necessidade de se religar com o divino, e, no caso, buscando um credo para esse religare não faz parte do meu universo, embora respeite aqueles que se sintam seguros assim. É um direito querer se sentir seguro, espiritualmente, da forma que escolher, buscando paz, saúde e sabedoria e não as coisas de César, na minha maneira de pensar. Segue a admiração por aqueles que, realmente, difundem o sentido divino da existência de Deus e traduzem as histórias bíblicas com seu sentido espiritual, não ligado a interesses.

Mas, vamos falar de João, o Apóstolo. Para mim, João tem o texto mais bonito escrito no Novo Testamento. Porque ele fala do amor. E, constantemente, é evocado por suas palavras clássicas de conhecer a verdade e encontrar a libertação.

Sempre pensei, cá com meus botões, que esse conhecer tem um outro sentido.

Quando estudamos, por exemplo, procuramos nos livros o conhecimento. E vejo o conhecer a verdade como procurar o conhecimento, e o conhecimento está em todo lugar, acessível, em mentes probas, em textos bem construídos, e não em um só lugar, ou nas mãos de um ou outro pregador.

Dois Joões foram e são pregadores. Aquele que incita procurar ou conhecer a verdade e aquele que revela a verdade sobre o futuro da humanidade, através do Apocalipse, que significa Revelação.

Muitos veem os sinais da chegada desse momento em alguns eventos que acontecem aqui na terra. Sejam os eventos catastróficos provocados pelo homem ou pela natureza. E os incidentes continuam, como consequências do movimento humano ou da reação da natureza, em seu processo natural ou causado por esse movimento da humanidade.

Muitos males se espalharam. Em alguns momentos ficaram restritos a locais pouco acessados, e, portanto, lá ficaram, até mesmo desconhecidos. Hoje, o mundo globalizado leva a informação muito mais rápido, e leva também a moléstia, a guerra e a morte, cavalgados pela raiva, pelo ódio e pela indiferença com a dor do outro.

Vivemos um dos estágios do Apocalipse?

Creio que vivemos mais um dos fatos que pode afetar, exponencialmente, a humanidade, já que somos mais numerosos e temos a capacidade de espalhar com mais rapidez os nossos males.

Voltemos ao primeiro João, o que nos incita a buscar a verdade. E esbarramos naquilo que seja a verdade, o real, o que é. Não existe uma verdade soberana, mas a procura por ela. O problema é que cada um se diz o dono da verdade que beneficia seu próprio julgamento ou preconceito. Não há uma preocupação em conhecer a verdade do outro, quando ela não interessa, e deixa de ser verdade a partir do momento que afronta os interesses individuais.

Verdade, hoje, é passar pano, dar um brilho, colocar em um pedestal, alçar as mãos para os céus e seguir em frente: a pós verdade. Verdade, hoje, é atropelar o diferente. Verdade, hoje, é sapatear sobre o concreto, uma doença real e existente que já ceifou 1.000.000 de seres no mundo! Mas alguns insistem em comparar com outras menores, passando o pano da mentira sobre a verdade real.

Um João pregou o amor e nos pediu para ir atrás do conhecimento, e, por trás dele, encontrar a verdade. O outro João, e não poderia deixar de ser o mesmo, porque: A qual dos apóstolos o Mestre confiaria o conhecimento de tudo?, nos faz uma revelação; Não procurar conhecer a verdade está nos levando à destruição?.

Repetindo o surto da gripe espanhola, assim como tantos outros iguais ou em menor escala, ou repetindo os mesmos atritos, motivados pelos mesmos motivos, pelos derrotados inconformados, alguns se revoltam contra as medidas sanitárias que poderiam evitar, talvez, essa cifra planetária de mortos (Um milhão!). Não aprendemos com a história, e, portanto, damos as costas para o conhecimento da verdade, do ensinamento, e ouvidos e forças para aqueles que são mentores do Apocalipse individual, egoístas para eliminarem o outro, apenas porque discordam do seu suposto conhecimento da verdade.

Existem dois Joões ou apenas um tentando nos convencer que somos os frutos dos nossos próprios males por não querer entender e revelar o conhecimento? 

Nilson Lattari

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Crônicas e Contos

NILSON LATTARI é carioca e atualmente morando em Juiz de Fora (MG). Escritor e blogueiro no site www.nilsonlattari.com.br, vencedor duas vezes do Prêmio UFF de Literatura (2011 e 2014) e Prêmio Darcy Ribeiro (Ribeirão Preto 2014). Finalista em livro de contos no Prêmio SESC de Literatura 2013 e em romance no Prêmio Rio de Literatura 2016. Menções honrosas em crônicas, contos e poesias. Foi operador financeiro, mas lidar com números não é o mesmo que lidar com palavras. "Ambos levam ao infinito, porém, em veículos diferentes. As palavras, no entanto, são as únicas que podem se valer da imaginação para um universo inexato e sem explicação".

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