Coluna

O CRUCIFIXO NOS TRIBUNAIS

STF/Divulgação

Agiu corretamente a Corregedoria de Justiça de um Estado da Federação quando determinou a retirada dos crucifixos, nos fóruns, sob o argumento de que a presença do Crucificado, num local que é símbolo republicano, agride a separação entre Igreja e Estado?

Vamos refletir sobre o tema.

O Crucifixo nos tribunais relembra o julgamento a que o Cristo foi submetido.

Não houve processo, com direito de defesa, mas puro arbítrio.

Diante da multidão, Pilatos, num ato de covardia, lavou as mãos.

Socorra-nos a reflexão do advogado gaúcho Jacques Távora Alfonsin, que é favorável à manutenção da efígie de Jesus nas salas da Justiça.

Segundo Alfonsin, preconceitos ideológicos e culturais viciam a interpretação das leis quando ignoram as palavras do Condenado Inocente.

Esse estabeleceu, como parâmetro do julgamento justo, o reconhecimento ético-político-jurídico da dignidade humana.

A questão do Crucifixo nos tribunais ultrapassa os limites de uma discussão meramente acadêmica.

Como Juiz de Direito, no Espírito Santo, vivenciei uma situação na qual a imagem do Crucificado, rompendo filigranas jurídicas, foi na verdade indispensável para o proferimento da sentença.

Neuza, uma empregada doméstica, estava presa em Vila Velha (ES), sob a acusação de que cometera crime de furto na casa onde trabalhava.

Tinha tirado de uma caixa, onde havia mais dinheiro, o valor de uma passagem de trem para regressar à casa da mãe em Governador Valadares (MG).

Agiu assim depois que os patrões se recusaram a lhe pagar pelo menos os dias trabalhados, alegando que ela só teria direito de receber salário ao completar um mês de serviço.

Humilhada, Neuza chorou durante a audiência.

Eu a pus em liberdade.

Mas não é pelo fato de ter libertado a acusada que a decisão tem atinência com o tema deste artigo.

O que estabelece o liame entre a libertação da acusada e o Crucifixo foi o fundamento que justificou a decisão:

“Lamento que a Justiça não esteja equipada para que o caso fosse entregue a uma assistente social que acompanhasse esta moça e a ajudasse a retomar o curso de sua jovem vida.

Se assistente social não tenho, tenho o verbo e acredito no poder do Verbo porque o Verbo se fez carne e habitou entre nós.

Invoco o poder deste Verbo, dirijo a Deus este verbo e peço ao Cristo, que está presente nesta sala, por Neuza.

Que sua lágrima, derramada nesta audiência, como a lágrima de Madalena, seja recolhida pelo Nazareno.”

Não teria sido possível proferir esta sentença se não estivesse ali o Cristo Crucificado.

A sala de audiências estava cheia nesse dia.

Alguém recolheu o dinheiro para a moça comprar a passagem.

Esse gesto espontâneo teve a força de um referendo popular ao julgamento proferido.

João Baptista Herkenhoff (ES)

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Direito e Cidadania

JOÃO BATISTA HERKENHOFF, é Juiz de Direito aposentado. Foi um dos fundadores e primeiro presidente da Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de Vitória e também um dos fundadores do Comitê Brasileiro da Anistia (CBA/ES). Por seu compromisso com as lutas libertárias, respondeu a processo perante o Tribunal de Justiça (ES), tendo sido o processo arquivado graças ao voto de um desembargador hoje falecido, porém jamais esquecido. Autor de Direitos Humanos: uma ideia, muitas vozes (Editora Santuário, Aparecida, SP).

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