Coluna

Chamada de medo do COVID

- Marineth, às 13h20m de domingo, 19/4, o meu celular tocou. Da sala ao banheiro, onde o aparelho plugado na tomada elétrica recarregava a bateria, fiquei a pensar quem telefonava. Seria um familiar, uma amiga, amigo? Em segundos a mente especulou um contato plausível de alguém conhecido. Na tela do aparelho, no entanto, me surpreendi com o número 0136. Pensei, será cobrança por falta de pagamento desses serviços que somos forçados, obrigados, coagidos a utilizar em casa, com preços exorbitantes, no consumo de água, telefone ou energia elétrica?

- Afinal, Athaliba, qual a concessionária que explora esses serviços que nos mantêm com a faca no peito, a corda no pescoço, permanentemente, te ligou?

- Marineth, até que poderia ser representante de uma dessas sanguessugas. Preferia. No entanto, um robô do outro lado da linha se anunciou da seguinte maneira:

“Olá, boa tarde. Aqui é do Ministério da Saúde. Você pode falar agora? Como você deve saber, as autoridades do MS estão preocupadas com a epidemia do coronavírus. Nós queremos enfrentar essa situação com você. Para isso queremos que você responda algumas questões sobre a sua saúde. Você tem apresentado febre, tosse ou febre e dor de garganta?”

Respondi que não. E a voz era de mulher. Ela continuou:

“Que bom que nesse momento você não tá numa situação de risco. De qualquer forma gostaríamos de te passar algumas informações. Sempre que possível é recomendável que você permaneça em casa. Evite aglomerações. Quando espirrar ou tossir cubra a boca e o nariz com um lenço ou o braço e o cotovelo. Lembre-se de lavar constantemente as mãos ou usar álcool gel quando não tiver acesso à água e sabão. Mantenha-se informado com os órgãos oficias do governo. O MS agradece a sua colaboração. Tenha uma boa tarde”.

Mensagem telefônica de orientação do ex-ministro da Saúde para prevenção do COVID-19 continua sendo feita à população, contrariando o mito pés de barro

Fiz um breve silêncio, me examinando física e espiritualmente. Sentei no vaso sanitário (sem controle remoto que regula temperatura do assento como o ex-governador Sérgio Cabral tinha no apartamento dele, quando defecava) e lembrei-me que no início da pandemia do COVID-19 fui acometido de resfriado, que ‘sumiu’ após duas semanas. Imaginei que o vírus pegou leve.

- Poxa, Athaliba, que bela surpresa, heim?

- Marineth, não achei, não. Ainda no vaso sanitário, avaliei a retrospectiva do estrago feito pelo COVID-19 no mundo, até então. E reavaliei meu comportamento. Por quê fui contemplado com ligação telefônica do Ministério da Saúde?  Afinal, essa era a recomendação do ex-ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, demitido e substituído por Nelson Luiz Sperle Teich, pelo mito pés de barro que ocupa a Presidência da República do Brasil e diz ter “peito de aço” e tenta dar “vôo de águia com asa de pardal” nos seus delírios transloucados da volta da ditadura militar.

- Athaliba, por favor, escusa qualquer comentário, no momento, sobre o mito pés de barro.

- Tá bem, Marineth. E aí, de volta à sala, “matei”, com uma única talagada, a dose restante da cachaça Cauê, produzida em Itabira do Mato Dentro, berço do nosso saudoso poeta Carlos Drummond de Andrade. Aliás, ainda não recebi informação sobre cancelamento ou adiamento da 46ª edição do Festival de Inverno de Itabira, programado para realizado de 3 a 19/7. Como lá na FCCDA a superintendente “come mosca”, conforme é apregoado na cidade, não sei o que espera para anunciar a decisão, já que artistas e produtores culturais se mobilizaram através do edital.

- Então ocê aqueceu o pomo-de-adão, seu gogó, para abolir a dúvida que poderia começar a tossir e a espirrar, né Athaliba? Tenha medo não. O medo apavora!!!

- Marineth, confesso, naquele instante, precisava de um trago. Não posso, não devo deixar o sinal do medo do COVID-19 me dominar. O trem é doido. Liguei para amigos contidos na nossa faixa etária, a fim de saber se tinham recebido telefonema do Ministério da Saúde. E todos foram contemplados com aquela mensagem que previne, mas, também, assusta.

- Athaliba, procure manter o equilíbrio emocional e continue respeitando as orientações da Organização Mundial da Saúde. Evite se entupir com notícias do COVID-19. Abuse do isolamento social para reler livros, como “Capitães da areia” e “Subterrâneos da liberdade” do saudoso Jorge Amado; assista aos filmes do Pedro Almodóvar; ouça as músicas de Chico Buarque, Gilberto Gil, Pablo Milanês, Sylvio Rodriguez, Nara Leão, Tom Jobim, Martinho da Vila, Paulinho da Viola, João Bôsco, Elis Regina, B.B. King, Robert Clay etc. e tal. Essa pandemia vai passar, viu?

- Marineth, obrigado. Antes de “subir” quero seguir na luta pela liberdade da pátria amada.

Lenin Novaes

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Crônicas do Athaliba

LENIN NOVAES jornalista e produtor cultural. É co-autor do livro Cantando para não enlouquecer, biografia da cantora Elza Soares, com José Louzeiro. Criou e promoveu o Concurso Nacional de Poesia para jornalistas, em homenagem ao poeta Carlos Drummond de Andrade. É um dos coordenadores do Festival de Choro do Rio, realizado pelo Museu da Imagem e do Som - MIS

Comentários


  • 20-04-2020 14:44:03 Dilma Coelho

    Não deixe seu celular carregando na tomada do banheiro, Recomendação de um técnico da área.