Rio - Aos 13 anos de idade, Nelson Rodrigues foi parar em uma redação de jornal, era o ano de 1925.
Tendo que escolher uma editoria para a qual trabalhar, não teve dúvida: a reportagem policial. Assim, Nelson Rodrigues começava sua trajetória jornalística em “A Manhã”.
Aos 18 anos, Albeniza Garcia seguiu os passos de Nelson Rodrigues, era o ano de 1952.
Com muita determinação, numa visita ao então presidente das Organizações Globo, jornalista Roberto Marinho, Albeniza Garcia pediu uma vaga no jornal “O Globo”.
O empresário achou que a jovem franzina - com cerca de um metro e meio de altura - pretendia fazer a cobertura de desfiles de moda ou política : “Não temos vagas na editoria de política”, disse. Mas Albeniza foi enfática: “Quero a reportagem policial!”
Embora houvesse vaga na reportagem policial, o pedido parecia tão sem sentido quanto pedir uma vaga na editoria de esportes - outro reduto machista na redação.
Roberto Marinho talvez mais impressionado com a coragem da jovem - que com estatura - respondeu: “Você tem certeza?
Assim começou a carreira de Albeniza Garcia, a repórter que tirou o estigma de que reportagem de polícia era coisa de homem.
A jornalista, que teve passagens pelos jornais “O Globo” e “O Dia”, foi a primeira mulher a trabalhar na cobertura de reportagens policiais.
A partir dos anos 50, grandes repórteres policiais como Nelson Rodrigues, Percival de Souza, José Louzeiro, Pinheiro Júnior, Otávio Ribeiro e Tim Lopes fizeram história na crônica policial.
Entre eles, só uma mulher: Albeniza Garcia.
Ao longo dos 50 anos de profissão, Albeniza colecionou histórias que ficaram marcadas na crônica policial.
O cartunista Jaguar lembra uma história de Albeniza que lhe foi contada pelo jornalista Cláudio Vieira, que trabalhava com ela no jornal “O Dia”: “Certa vez ela estava acompanhando uma batida policial numa favela carioca. De repente, começou um intenso tiroteio e todo mundo se jogou no chão. Menos a Albeniza. Alguém gritou: se abaixa Albeniza! E ela: “Se eu me abaixar, como é que vou ver o que está acontecendo e escrever minha matéria?”
Albeniza tinha menos de 1,50m de altura.
Outra história engraçada foi contada pela repórter Adriana Cruz, de “O Dia”: “Mesmo de mau humor, ela era muito engraçada. Quando estava contrariada repetia: “seu merda!! O palavrão, que ecoava pela redação, virou um bordão da repórter. Ninguém se ofendia.
Albeniza dedicou 57 anos ao jornalismo policial, sempre na ocupação de repórter.
A jornalista recebeu prêmios importantes como o de Direitos Humanos da Sociedade Interamericana de Imprensa, em 1995; pela série de reportagens “A infância perdida”, e o Esso, em 1997, por “Infância a serviço do crime”, ambos em “O Dia”.
A jornalista Hilka Telles, do jornal “O Dia”, descreve Albeniza como uma “lenda” do jornalismo. “Ela foi a repórter de polícia que ajudou a formar cinco gerações de repórteres”.
Vera Araújo, jornalista de "O Globo", chefiou Albeniza por cinco anos em "O Dia" e recorda-se que Albeniza era respeitada também fora do meio jornalístico. “Era tão conhecida por gerações de policiais civis e militares que entrava nos gabinetes sem mesmo bater na porta. Mesmo com a idade, tinha uma vitalidade de fazer inveja. Era a primeira repórter a chegar à redação até mesmo antes de mim. Nem conseguia pautá-la porque já chegava com várias sugestões que rendiam grandes reportagens”, disse Vera.
Ao longo da vida, Albeniza colecionou histórias na profissão.
Um dos casos mais curiosos é o de Paulo Roberto de Almeida David, conhecido como “O Padre”. O vulgo de Paulo David é em razão de várias vezes cometer seus crimes trajando batina.
“O Padre” foi um criminoso brasileiro famoso na década de 1970, no Rio de Janeiro.Ele foi o autor intelectual de várias fugas realizadas e de muitas outras tentadas, com Rogério Lengruber, o "Bagulhão".
Numa fuga do Presídio Geral do Estado, em Niterói, “O Padre", foi o único que não foi recapturado e conseguiu entregar uma carta denunciando as torturas e espancamentos de que eram alvos no PGE.
A carta, assinada por todos os que tentaram a fuga foi entregue à jornalista Albeniza Garcia, na sede do jornal "O Globo", na Rua Irineu Marinho, no Rio de Janeiro.
A carta dos foragidos foi publicada pelo "O Globo", em 23 de maio daquele ano, com o título: “Ofendidos e humilhados, eles decidiram protestar”.
Um dos casos mais curiosos ocorreu no sequestro do empresário Roberto Medina em 1990.
O sequestrador Mauro Luis Gonçalves de Oliveira, o Maurinho Branco, ligou para “O Dia” porque desejava que a jornalista cobrisse a libertação de Medina. Ele só libertaria o empresário na presença da jornalista.
Albeniza pensou que fosse um trote e desligou duas vezes antes de ser convencida numa terceira ligação quem era o interlocutor.
Por pouco, quase não acompanhou uma de suas grandes histórias da profissão.
Acompanhada de fotógrafo e de dois advogados, Albeniza encontrou-se com o sequestrador na Zona Norte. Maurinho cumpriu o prometido e Medina foi libertado, sendo levado a uma delegacia pela repórter. Na ocasião, o bandido deu a ela como presente um gavião.
Albeniza também acompanhou a história do sequestro e morte do jornalista Tim Lopes. A repórter estava no alto do morro, no meio da mata, junto com policiais e bombeiros que acharam o corpo do jornalista Tim Lopes.
Albeniza Garcia morreu na manhã de 16 de janeiro de 2014. Deixou três filhos e quatro netos.
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