Tímido, como todo bom mineiro, Mayrink vinha evitando conversar com o jornal. Dessa vez, pegamos ele em Búzios e fizemos – eu e o jornalista Gustavo Medeiros – uma ótima entrevista com o cartunista. O papo, para os jornais “O Folha de Minas” , “Hic!” e o blog “Tribuna HQ”, rolou no boteco Captain´s, do simpático Julinho, no final da Orla Bardot. (Ediel)
SEGUNDA PARTE
Mayrink – Eu tive fortes influências de um cartunista argentino chamado Copi (Copi -1939-1987 – cartunista e dramaturgo argentino radicado em Paris. Exilou-se na França em 1962, depois do golpe militar na Argentina). Ele fazia uns bonecos muito narigudos. Os meus, tinham o nariz menor que os dele. (risos) Depois eu fui mudando, mas a influência do nariz do argentino ficou. (risos)
Gustavo – Você criou seu próprio estilo.
Mayrink – (de boca cheia) Iffo!
Gustavo – Você com 18 anos, em plena Ditadura Militar, já fazia charges políticas. Teve algum problema com isso?
Mayrink – Não. Nessa época, eu era um garoto recém-chegado de Caratinga, assistente de diagramação do Ziraldo e fora uns parcos jornais lá de Minas ainda não tinha publicado nada que fosse relevante. Então, não, não tive problemas.
Gustavo – Você usou régua de paica? (paica – ou pica, em inglês – é uma medida tipográfica anglo-saxã que corresponde – aproximadamente – a 4,23 mm, bastante usada na diagramação de jornais da época)
Mayrink – Usei muito. Aprendi a diagramar com Ziraldo, usando a régua de paica.
Ediel – Fortuna começou como diagramador. Era considerado um grande diagramador. Tarso de Castro levou ele para diagramar várias de suas publicações, entre elas, “O Pasquim”.
Mairink – Ziraldo também era um grande diagramador! Eu aprendi vendo Ziraldo diagramar. Eu ficava o tempo todo ao lado dele, vendo ele trabalhar. Ele me dava as fotos pra marcar o corte e colar o texto no paste up. (paste up, papel parecido com a cartolina onde eram colados os textos e marcados os espaços para as fotos) Um dia, eu ouvi uma conversa entre ele e o diretor da revista “Visão”. Nela, fiquei sabendo que Ziraldo ia pra Europa e o diretor pediu que ele indicasse alguém para diagramar a revista na ausência dele. E o Ziraldo não sabia que eu, só de ver ele trabalhando, já tinha aprendido o ofício. Então eu tinha que mostrar pra ele que já sabia diagramar. Ele chegava na redação uma hora da tarde, eu chegava cedo, às 9 horas. Então, já tinha em cima da mesa dele matérias que os jornalistas deixavam pra diagramar, aí eu pegava e diagramava. Quando ele chegou eu disse pra ele: “Seu Ziraldo, só pra treinar, eu fiz essa diagramação aqui, veja se está boa.” Ele olhou, olhou, e disse: “Tá muito boa. Não precisa fazer mais nada. Tá pronta.” Então, eu passei a fazer aquilo todo dia. Quando ele chegava o trabalho dele já estava feito. A revista era semanal, e eu fiz a diagramação nas duas semanas que antecederam a viagem dele. Aí quando o diretor perguntou se ele já tinha o nome do profissional pro lugar dele ele disse: “Não precisa contratar ninguém, não, o Mayrink já tá fazendo a revista sozinho”. E assim eu ganhei a vaga. Depois, ele saiu da “Visão” e eu assumi o lugar dele.
Ediel – Nessa época, ele só diagramava ou já desenhava, também?
Mayrink – Não, ele já desenhava. Já era o Ziraldo, criador do Saci Pererê.
Ediel – Você fez jornalismo ou letras?
Mayrink – Quando cheguei aqui terminei o ensino básico e, não sei por que, fiz três anos de Direito. Não tinha nada a ver comigo, então tranquei a matricula e fui fazer Letras, me formei em Literatura. Eu adorava ler. E gostava do que os escritores escreviam.
Ediel – Depois disso você foi pra Cuba.
Mayrink – Isso, eu fui fazer um estágio de especialização em literatura e jornalismo financiado pela Unesco, em Havana, no Instituto Internacional de Periodismo “José Martí” e acabei, por lá, publicando meus cartuns no jornal “Palante” de Cuba. (“Palante”- semanário humorístico, fundado em 16 de outubro de 1961 por cartunistas cubanos).
Ediel – Quais os cartunistas cubanos que você conheceu por lá?
Mayrink – Há, vários! Angel Boligán, Antonio Prohías, Tommy…
Ediel – Você esteve na antiga União Soviética, também. Como foi essa experiência?
Mayrink – Lá foi uma especialização na área de redação jornalística , na Agencia de Imprensa Novosti, na União Soviética. Eu fui pra lá por indicação do Partido Comunista Brasileiro, pra fazer um curso de dois anos e depois render uma correspondente brasileira que trabalhava lá na Novosti. Essa agência cobria países de língua latino americana para a antiga URSS. Mas, com o fim da União Soviética, eu tive que voltar para o Brasil.
Ediel – Você chegou a publicar algum cartum seu por lá?
Mayrink – Ah, sim! Publiquei na “Krokodil” (revista satírica publicada na União Soviética. Fundada em 1922, e que tinha o nome inspirado num conto satírico de Fyodor Dostoyevsky, O Crocodilo). Muitos artistas e intelectuais notáveis contribuíram para a revista, incluindoVladimir Mayakovsky , Kukriniksy e Yuliy Ganf .
Ediel – Então, você volta para o Brasil e encontra vários jornais fechados ou empastelados (ato de invadir, uma gráfica ou redação de jornal para inutilizar o trabalho em curso, danificar equipamentos e materiais) pelo regime. Como você viu esse período da Ditadura Militar no país?
Mayrink – Foi uma época difícil. Da Ditadura Militar pra cá fecharam o “Diário Carioca”, “Correio da Manhã”, “A Noite”, “Diário de Notícias”, “Última Hora”, “Jornal dos Sports”, “A Notícia”, “Jornal do Brasil” e outros, por vários motivos. As pessoas falam muito da falta de espaço pro cartum, a charge e os quadrinhos nos dias de hoje, mas isso não é de hoje.
Ediel – Hoje, ao menos tem a internet. Por exemplo, hoje a minha tira (Patty & Fatty) é lida na Argentina, Chile, Inglaterra, França…Coisa que eu jamais conseguiria, não fosse a Internet. Você não acha que nesse aspecto a Internet substituiu, com vantagens, os jornais?
Mayrink – Acho, acho sim! Mas, se por um lado a internet resolve, parcialmente, o problema da exposição do trabalho, por outro, não resolve o problema do desemprego. E o cartunista precisa comer, precisa se manter. A internet, salvo raras exceções, não paga. Enquanto não se descobrir um meio de lucrar com a internet, a tendência é piorar. Os jornais estão demitindo os cartunistas e nós ficamos sem fonte de renda.
Ediel – Jaguar foi demitido pelo jornal “O Dia”, onde fez história como chargista e colunista, por e-mail. Nei Lima também foi demitido de lá (O Dia e Meia-Hora), onde fazia ilustrações, charges e caricaturas, faltando um ano e poucos meses pra se aposentar. Sem justa causa.
Mayrink – Pois é! Eu vejo isso com muita tristeza. Se o espaço em jornais já era pequeno para o cartunista, agora, ficou muito pior. O “Pasquim” tentou mudar isto, mas infelizmente não resistiu.
Ediel – Você tem um livro, Quebra-nós , publicado nos anos 80, não é?
Mayrink – É verdade. Publiquei, também, 365 Dias de Humor (1994) e organizei o livroDez + Dez – A Natureza se Defende (1992), com a participação de cartunistas russos e brasileiros.
Ediel – Salão de Humor, algum especial?
Mayrink – Foi curador por três anos consecutivos do Salão Carioca de Humor (1992, 1993, 1994), jurado do Salão de Humor de Volta Redonda e recebi o prêmio do Salão Internacional de Humor de Montreal, no Canadá, em 1970.
Ediel – Você também teve uma experiência como editor. Chegou publicar um jornalzinho de humor aqui na Região dos Lagos. Conta como foi essa aventura.
Mayrink – Era um tabloíde chamado “Humor dos Lagos”. Eu e você que somos cartunista e editores temos essa ânsia de publicar, de ver a coisa impressa, sentir o cheiro da tinta. É uma coisa que vem dos anos 50, 60, 70. Dos tempos românticos do jornalismo. É uma relação de amor com o papel. Eu lembro (fazendo cara de felicidade) que quase soltei fogos de alegria quando Ziraldo publicou meu primeiro desenho. Foi algo assim, inexplicável.
Ediel – Eu entendo. Eu também passei por isso. Lembro, como se fosse hoje, da felicidade que eu senti quando vi o “Cartoon”, um jornal de humor que eu editei no final dos anos 80, pendurado numa banca da Av. Rio Branco, no centro do Rio, ao lado do “Pasquim”, “O Globo”, “O Dia”… As pessoas passavam, olhavam, e eu alí, esperando que alguém me perguntasse alguma coisa pra eu poder dizer: “Esse jornal é meu! Eu sou o editor! Eu estava orgulhoso! Eu pertencia aquele mundo!”
*Continua na próxima coluna, sexta-feira
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