Coluna

“Vaticano: organização gay”

À exata ocasião da inauguração do Monumento à Bíblia, na praça redonda, na provinciana e retrógrada Alucard do Mato Dentro, solenizada pelo prefeito Esponjinha e o vereador evangélico Boca de Caçapa, presidente da Câmara de Vereadores, no final da semana, o livro “No armário do Vaticano: poder, homossexualidade e hipocrisia”, do sociólogo e jornalista francês Frederic Martel, lançado em 20 países, simultaneamente, já repercutia em alguns dos principais jornais do mundo a estrondosa explosão da bomba literária que vira pelo avesso a Igreja Católica.

Capa do livro de Frédéric Martel (Foto: Divulgação)

- Marineth, são dois fatos correlatos. Em Alucard, o tal monumento bíblico, absurdamente, surge como “salvação divina da destruição da cidade”, ameaçada por rompimento de mais de uma dúzia de barragens abarrotadas com milhões e milhões de m³ de rejeitos de minério de ferro; enquanto o alfarrábio, por sua vez, expõe a decadência no coração do Vaticano e no catolicismo, fruto de um trabalho de quatro anos de pesquisas rigorosas que levou o autor a afirmar que “o Vaticano é uma organização gay no nível mais alto, uma estrutura formada em grande parte por pessoas homossexuais que durante o dia reprimem sua sexualidade e a dos outros, mas, à noite, em muitos casos, pegam táxi e vão a um bar gay”.

- Athaliba, o fato de Alucard inaugurar Monumento à Bíblia não surpreende. A cidade, que ocupa o 6º lugar em arrecadação financeira, entre os 853 municípios de Minas Gerais, é distinta pelo assombroso atraso. Um deputado federal, evangélico, e pai de um deputado estadual, com ambos “comendo votos” no curral eleitoral do município, propôs projeto na Câmara Federal para Alucard ser Capital Nacional da Poesia, usando de maneira sórdida o nome do nosso saudoso e amado poeta Antônio Crispim. Quanto ao Vaticano, creio que a declaração do papa Francisco de que “por trás da rigidez há sempre qualquer coisa escondida: em numerosos casos, uma vida dupla”, tornou público um segredo que a investigação do livro explora, em minuciosos detalhes.

- Muito bem, Marineth. O Vaticano não respondeu à solicitação dos comentários feitos pela BBC News sobre o livro e as acusações que o autor fez na entrevista a respeito da instituição. Ele disse que uma das fontes garantiu que 80% dos padres no Vaticano são homossexuais e que um dos fatos que chamou sua atenção foi “a banalidade da vida gay para milhares de sacerdotes que não saíram do armário para a organização e estão presos no próprio sistema, mas, ao mesmo tempo, desfrutam do que criticam no altar”.

- É, Athaliba, até então casos esporádicos de pedofilia vazavam dos subterrâneos da igreja e ganhavam manchetes na mídia.

- Marineth, o escândalo que o livro expõe está baseado em entrevistas feitas por Frederic com 42 cardeais, 52 bispos, 27 padres gays e nada menos que 45 diplomatas e embaixadores estrangeiros da Santa Sé e 11 guardas suíços, bem como homens que trabalham com sexo e ex-funcionários do Vaticano que vivem sua sexualidade abertamente. Teve ainda a colaboração de cerca de 80 pesquisadores, tradutores, jornalistas e advogados de diferentes países.

- É o primeiro livro dele, Athaliba?

- Não, Marineth. Frederic é autor de vários livros, como “De La culture em Amérique”, “Smart, Enquête sur lês Internets” e “Mainstream”, traduzidos em 20 países, entre outros, além de investigador universitário associado a universidades na França e na Suiça.

- Athaliba, ele fez outras revelações na entrevista à BBC News?

- Marineth, o escritor disse à imprensa que seu alvo não são os indivíduos, mas “apenas um sistema fraudulento”, admitindo rejeição ao falecido cardeal colombiano Lopez Trujillo, que era homossexual, bem como o núncio apostólico em Paris, o arcebispo Luigi Ventura. Para Frederic, “o verdadeiro vilão do livro é o decano do Colégio dos Cardeais, Ângelo Sodano, que foi núncio apostólico no Chile por 10 anos durante a ditadura do general Augusto Pinochet e, depois, foi secretário de Estado do papado de João Paulo II”. Acusa o cardeal de saber tudo sobre os casos de abuso no Chile, sobre Fernando Karadima; no México, sobre Marcial Maciel; no Peru, sobre o Sodalício; e nos EUA, sobre o ex-cardeal Theodore McCarrick.

Enfim, “No armário do Vaticano: poder, homossexualidade e hipocrisia” apresenta celibato dos padres, a condenação do uso de contraceptivos, os inúmeros casos de abuso sexual, a renúncia do papa Bento XVI, a misoginia entre os clérigos, a trama contra o papa Francisco. “O livro revela a face escondida da igreja, uma instituição fundada em uma cultura clerical de sigilo e baseada na vida dupla de padres e numa extrema homofobia. A esquizofrenia resultante na igreja é difícil de entender: quanto mais um prelado homofóbico, mas é provável que ele seja gay”, diz a sinopse.

Lá na frente, Marineth, voltaremos a falar sobre o assunto, que vai dar ainda muitos “panos para mangas” Quem viver verá! Por ora, recorremos à lembrança do poeta Antônio Crispim que, vivo fosse, faria uma crônica sobre o Monumento à Bíblia, citando um radialista e compositor mineiro muito famoso que urinou na estátua a ele dedicada, logo após a inauguração. Será que o marco bíblico de Alucard vai virar WC? Bem, só o tempo dirá! Melhor, agora, é declamar o poema “A montanha pulverizada” do saudoso poeta alucardeano:

“Chego à sacada e vejo a minha serra,
A serra de meu pai e meu avô, 
De todos os Andrades que passaram 
E passarão, a serra que não passa.

Era coisa dos índios e a tomamos 
Para enfeitar e presidir a vida 
Neste vale soturno onde a riqueza 
Maior é sua vista e contemplá-la.

De longe nos revela o perfil grave. 
A cada volta de caminho aponta 
Uma forma de ser, em ferro, eterna, 
E sopra eternidade na fluência.

Esta manhã acordo e não a encontro. 
Britada em bilhões de lascas 
Deslizando em correia transportadora 
Entupindo 150 vagões no trem-monstro de cinco locomotivas 
- o trem maior do mundo, tomem nota - foge minha serra,
Vai deixando no meu corpo e na paisagem 
Mísero pó de ferro, e este não passa”.

Lenin Novaes

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Crônicas do Athaliba

LENIN NOVAES jornalista e produtor cultural. É co-autor do livro Cantando para não enlouquecer, biografia da cantora Elza Soares, com José Louzeiro. Criou e promoveu o Concurso Nacional de Poesia para jornalistas, em homenagem ao poeta Carlos Drummond de Andrade. É um dos coordenadores do Festival de Choro do Rio, realizado pelo Museu da Imagem e do Som - MIS

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