Coluna

PM gay casa defronte a quartel

A troca de alianças entre Leandro e Elton (Foto: Daniel Arroyo)

- Athaliba, o fato mais relevante da 23ª edição da Parada Gay, em SP, recentemente, entra para a história do movimento LGBTi de forma memorável: o pedido de casamento do soldado PM Leandro Prior a Elton da Silva Luz, com troca de alianças. O caso inusitado aconteceu em frente à base militar onde o PM presta serviço, com soldados disfarçados em trajes civis espionando o acontecimento, como agentes do DOI-CODE fizeram durante a ditadura civil-militar que vigorou no Brasil de 1964 a 1985. O comando da corporação negara o pedido de Prior de fazer o pedido na Parada Gay, inclusive, alterando a escala de serviço do policial militar.

- Trata-se, realmente, Marineth, de episódio sui generis.

- Pois é, Athaliba, fiquei sabendo do assunto com a transexual Gina, a sedutora de Alucard que foi amante do PM Brucutu. Ele é gay enrustido e adorava a amante, mas a largou quando ela decapitou o membro em cirurgia de redesignação sexual. Brucutu, adepto do bordão fascista “bandido bom, é bandido morto”, é envolvido em atos no que se convencionou chamar auto de resistência, que é quando a PM mata em supostos confrontos justificando a matança de suspeitos, principalmente, contra jovens e negros, na maioria. Veja o Atlas da Violência produzido pelo IPEA e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública e leia a crônica: https://www.ofolhademinas.com.br/materia/30679/coluna/gina-a-transexual-sedutora-de-alucard.

- Marineth, o PM Prior partiu para o confronto com o comando da corporação para fazer valer seus direitos como cidadão, né? Não fez por menos para revelar ao mundo seus desejos.

- Exatamente isso, Athaliba. O soldado teve negado o pedido de usar a farda na cerimônia e, indignado, argumentou, junto ao comando, que outros policiais militares usaram o fardamento quando pediram as mãos de suas namoradas em casamento. Inclusive, postou várias fotos nas redes sociais. E não se deixou intimidar ao ser proibido de fazer o pedido de casamento a Elton na Parada Gay, na Avenida Paulista, mesmo com a escala de serviço alterada dos dias pares para dias ímpares. Ele se articulou com equipe de reportagem do site Ponte para cobrir o caso e, no Largo Coração de Jesus, defronte ao quartel, de joelhos, olhar fixo nos olhos do namorado, fez o pedido de casamento. E, aí, recebeu o sim de Elton, trocando alianças. Não foi na Parada Gay, mas, no Largo Coração de Jesus.

- Isso foi cena cinematográfica, Marineth, digna dos diretores Fernando Meirelles, Eduardo Coutinho e Walter Sales.

Prior pede namorado em casamento perto da base militar onde trabalha (Foto Daniel Arroyo)

- Literalmente, Athaliba. No local, além dos P2 (soldados militares à paisana, em carro não oficial, que registraram a cerimônia e entregaram relatório ao comando da Polícia Militar), o casal teve como plateia muitos transeuntes e jogadores amadores que disputavam partida de futebol na quadra da praça. O fotógrafo Daniel Arroyo, formado em artes visuais, caprichou nas fotos; e a jornalista Paloma Vasconcelos publicou excelente matéria, replicada pelo jornal El País. Paloma é autora do livro Transresistência: Histórias de pessoas trans no mercado formal de trabalho.

- Marineth, o soldado PM gay não foi repreendido e não sofreu ameaças?

- Athaliba, claro que sim. O relatório policial, assinado pelo 2º tenente Guilherme Minoru Hakamata de Souza, poderá resultar em punição ao PM Leandro Barcelos Prior. Hakamata e o sargento Marcos Lopes alegam que disseram ao soldado que ele não estaria autorizado a fazer o pedido de casamento a Elton em razão de estar de serviço. Teve ameaças de morte, inclusive do sargento Renato Nobile, da ROTA (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar), que chamou Prior de “desgraçado, canalha e safado, sendo desonra para a minha corporação; esse tinha que morrer na pedrada”, conforme publicou em seu perfil no Facebook. Ele, posteriormente, disse que a sua página tinha sido hakeada. E, na rua, também ouviu “seus viados, vão tomar no c*; vocês vão morrer”.

- A situação do PM gay, Marineth, não é nada fácil. E não dá para imaginar o que vem por aí.

- Athaliba, a transexual Gina fez contato com Anabela, presidente do núcleo Mulheres Aguerridas de Alucard, no sentido de organizar passeata em defesa do soldado Prior, contando com o apoio das transexuais Mary Help, Shelby, Sabrina, Mouzalina e Tunica, além das gêmeas lésbicas Francinete e Yvonete e de outros integrantes do movimento LGBTi do município de Alucard.

- Marineth, todo cuidado é pouco.

- Sim, Athaliba. O PM gay já tinha denunciado ameaças sofridas à Ouvidoria da Polícia de São Paulo, sendo, inclusive, afastado do serviço por questões alegadas como “psicológicas”.  E, desde então, diz sofrer com crise de ansiedade. Mas, está determinado em fazer valer sua vontade, afirmando que “a PM vai ter que me engolir. A máscara da homofobia da instituição caiu. Hoje ela mostra a sua verdadeira faceta, a do preconceito, do ódio, a da não aceitação”, conforme revelou ao site Ponte.

- O assunto, Marineth, vai dar “panos para mangas”. E abre víeis para um dos poemas do nosso saudoso poeta Antônio Crispim, no livro “O amor natural”, que diz o seguinte:

“Era bom alisar seu traseiro marmóreo
E nele soletrar meu destino completo:
Paixão, volúpia, dor, vida e morte beijando-se
Em alvos esponsais numa curva infinita.

Era amargo sentir em seu frio traseiro
A cor de outro final, a esférica renúncia
A toda aspiração de amá-la de outra forma.
Só a bunda existia, o resto era miragem”.

Lenin Novaes

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Crônicas do Athaliba

LENIN NOVAES jornalista e produtor cultural. É co-autor do livro Cantando para não enlouquecer, biografia da cantora Elza Soares, com José Louzeiro. Criou e promoveu o Concurso Nacional de Poesia para jornalistas, em homenagem ao poeta Carlos Drummond de Andrade. É um dos coordenadores do Festival de Choro do Rio, realizado pelo Museu da Imagem e do Som - MIS

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