Coluna

O JORNAL DE PAPEL

Rio – Sou do tempo em que jornal era feito de papel.

Na unha: past-up, tesoura, cola, filmes...

Na montagem, montar um jornal era colar, abrir janelas para fotos, cortar títulos, compor… Dava um trabalhão.

Nas oficinas, os jornais distribuíam um litro de leite para cada funcionário da linotipia por acreditar que a bebida amenizava os efeitos do contato diário com o chumbo derretido.

Ganhava-se pouco, mas era divertido.  Eram os tempos românticos do jornalismo.

Sou do tempo do “seboso” um fichário com os  telefone dos jornalistas e das fontes que os jornalistas consultavam antes de fechar as matérias. Sou do tempo do “aquário” nas redações. Ainda existe?

Sou do tempo das redações barulhentas e enfumaçadas, onde os jornalistas fumavam enquanto “batucavam nas pretinhas” - uma referência às teclas pretas das velhas Remingtons - e  jogavam uns nos outros bolinhas de papel de lauda.

Sou do tempo em que os jornalistas bebiam. E muito.

Imagem ilustrativa

Sou do tempo em que o entregador jogava o jornal no seu jardim. Sou do tempo em que era tradição ler o jornal na mesa do café da manhã , nas praças nos ônibus e nos bondes.

Sou do tempo dos grandes jornalistas.

Na minha época, você pegava um jornal como o Jornal do Brasil e tinha Alberto Dines, Carlos Castelo Branco, Jânio de Freitas, Armando Nogueira, José Ramos Tinhorão, Alceu Amoroso Lima, Clarice Lispector, Carlos Drummond de Andrade, Ziraldo...

O Dia tinha Rubem Braga, Artur da Távola, Sérgio Cabral (o pai), Raquel de Queirós, Carlos Eduardo Novaes, Fernando Gabeira, Nélida Piñon, Aldir Blanc, e os cartunistas Nani e Jaguar...

No O Globo tinha, Ricardo Boechat, Luiz Fernando Veríssimo, Ibrahim Sued, Nelson Rodrigues, Zózimo Barroso do Amaral, Millôr Fernandes...

Só para citar os três grandes jornais do Rio de Janeiro.

Hoje são poucos.

A tecnologia está acabando com os jornais impressos. Muitos já fecharam. Alguns, ainda resistem no mundo virtual. Poucos nas bancas.

Só nos últimos anos, deixaram de circular títulos icônicos como a edição impressa da “Gazeta do Povo”, o maior jornal do Paraná. “A Gazeta Mercantil”, jornal criado em 1920 e foi referência para o jornalismo econômico brasileiro.  O “Jornal do Brasil”, um dos mais antigos jornais do país, criado em 1891. “O Estado do Paraná” que circulou durante 59 anos e chegou a ser o segundo jornal mais importante do Paraná. O “Jornal da Tarde”, do Grupo Estado, que circulou por 46 anos e abrigou grandes nomes do jornalismo. O “Diário do Povo”, centenário jornal de Campinas. O Diário do Comércio, importante veículo no cenário econômico de São Paulo. O “Brasil Econômico” que chegou a ocupar o espaço deixado pela “Gazeta Mercantil”, outro grande que deixou de circular.

Os tempos românticos do jornalismo não existem mais, daqui a pouco, nem o jornal de papel.

 

Ediel Ribeiro é jornalista e escritor

Ediel Ribeiro (RJ)

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Coluna do Ediel

Ediel Ribeiro é carioca. Jornalista, cartunista e escritor. Co-autor (junto com Sheila Ferreira) do romance "Sonhos são Azuis". É colunista dos jornais O Dia (RJ) e O Folha de Minas (MG). Autor da tira de humor ácido "Patty & Fatty" publicadas nos jornais "Expresso" (RJ) e "O Municipal" (RJ) e Editor dos jornais de humor "Cartoon" e "Hic!". O autor mora atualmente no Rio de Janeiro, entre um bar e outro.

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