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ALEGRIA, ALEGRIA

Rio - Sou fã de Caetano Veloso. 

O baiano é o autor de uma das músicas mais emblemática da MPB: "Alegria, Alegria". 

A canção, composta por Caetano Veloso em 1967, foi o marco inicial do movimento "Tropicália".

Sua letra reflete a repressão do período militar no Brasil, que artistas como Caetano Veloso, Gilberto Gil, Gal Costa,Tom Zé e Torquato Neto, combatiam.

O Tropicalismo, movimento sócio-cultural iniciado a partir dos anos 60, surgiu principalmente na música, mas acabou influenciando toda a cultura nacional, pois retomava basicamente elementos da Antropofagia, do Modernismo Brasileiro, e outros elementos da contra-cultura, da ironia, rebeldia, anarquismo e humor.

No Brasil, era a época dos grandes festivais de música, do ufanismo dos militares e das obras faraônicas. Os ídolos da música cantavam versões de sucessos norte-americanos ou europeus. Surgia a Jovem Guarda e logo depois a Bossa Nova. A cultura de massa tupiniquim começava a virar produto de exportação.

Sincrético e inovador, o Tropicalismo ia na contra-mão de tudo isso. 

Estávamos em plena Ditadura Militar, especificamente nos "anos de chumbo", como era chamado o governo do presidente Emílio Garrastazu Médici, conhecido como o mais duro e repressivo do período.

Nestes anos, a repressão e a luta armada crescem e uma severa política de censura é colocada em execução. Jornais, revistas, livros, peças de teatro, filmes, músicas e outras formas de expressão artística são proibidas. 

Alguns partidos políticos passaram para a ilegalidade e a UNE (União Nacional dos Estudantes) teve seu prédio incendiado. Jornais como "Pasquim", "Opinião", "Panfleto", "O Sol" e "Tribuna da Imprensa", entre outros, foram censurados ou fechados.

Morre em São Paulo  o jornalista Vladimir Herzog  (25 de outubro de 1975) . Muitos outros professores, intelectuais, artistas, políticos, jornalistas e escritores são, também, investigados, presos, torturados, exilados ou assassinados.

Artistas como Caetano Veloso, Gilberto Gil, Geraldo Vandré e Chico Buarque foram exilados. Em 1972, Jards Macalé teve que reescrever sete vezes a letra de "Revendo Amigos" (Jards Macalé – Waly Sailormoon), do álbum "Movimento dos Barcos".

Músicas desse período, usavam metáforas para burlar a repressão nos "anos de chumbo".

E Caetano abusou delas em "Alegria, Alegria", para denunciar o abuso de poder e mostrar que a cultura brasileira era importada e alienante.

Para isto, Caetano usa palavras como Brigitte Bardot (atriz francesa, símbolo sexual dos anos 50), Cardinales (Claudia Cardinale- atriz italiana de sucesso da época) e Coca-Cola (maior símbolo do império norte-americano).

A letra ainda revela a precariedade da educação brasileira já que a ditadura queria pessoas alienadas para tanto censurava os livros "inadequados". Qualquer livro que se opusesse aos ideais da ditadura deveriam ser proibidos de circular.

Ao dizer "sem livros e sem fuzil" ele quis mostrar que sem educação e sem os livros - que seriam  as armas intelectuais  para derrubar a ditadura - estaríamos entregues  a  esse sistema político burro e opressor 

Caetano ainda incluíu uma pequena citação do livro "As Palavras" de Jean-Paul Sartre: "nada nos bolsos e nada nas mãos", que acabou virando "nada no bolso ou nas mãos".

E, usa os versos "O sol nas bancas de revista /me enche de alegria e preguiça/quem lê tanta notícia?" - "O Sol" era um jornal criado pelo artista gráfico e editor Reynaldo Jardim e reunia, entre outros, Zuenir Ventura, Otto Maria Carpeaux, Marcio Moreira Alves, Carlos Heitor Cony e Tarso de Castro – para evidenciar a alienação da massa.

Tanta coisa acontecendo, e "Ela pensa em casamento" evidencia que enquanto alguns brasileiros lutavam para dar fim à repressão militar outros estavam completamente desinformados.

Ainda na canção, as iniciais das palavras "lenço sem documento" era uma clara referência ao LSD (ácido lisérgico), a droga da moda.

O movimento, libertário por excelência, acabou reprimido pelo governo militar.  

Era uma época muito louca que, ainda assim, conseguiu produzir obras-primas como esta canção.

* Ediel é jornalista, cartunista e escritor.

Ediel Ribeiro (RJ)

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Coluna do Ediel

Ediel Ribeiro é carioca. Jornalista, cartunista e escritor. Co-autor (junto com Sheila Ferreira) do romance "Sonhos são Azuis". É colunista dos jornais O Dia (RJ) e O Folha de Minas (MG). Autor da tira de humor ácido "Patty & Fatty" publicadas nos jornais "Expresso" (RJ) e "O Municipal" (RJ) e Editor dos jornais de humor "Cartoon" e "Hic!". O autor mora atualmente no Rio de Janeiro, entre um bar e outro.

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