Opinião

O trem ameaça descarrilar

O maquinista Messias Bolsonaro acaba de soar o apito de partida para a primeira viagem na estação de Brasília, no Distrito Federal, e o trem já dá fortes sinais de descarrilar na primeira curva. A ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, pastora evangélica Damares Regina Alves, empolgada em fazer parte da comitiva ministerial, botou a cabecinha de fora do vagão e fez ecoar o gritinho histérico: “Nova era no Brasil, menino veste azul e menina veste rosa”.

A reação popular foi imediata e debochando dela, após divulgação do fato nas mídias. Provocou troca de comentários de forma avassaladora nas redes sociais. Alguns em linguagem erótica, como “a cabeça da minha bengala é rosa” e “a olhotinha da minha bunda é rosadinha”. E outras mais explícitas que, em respeito a vocês, estimados leitores d’O Folha de Minas, não vou aqui reproduzir.

A pastora ministra provou do próprio veneno. Dois dias depois, vestindo azul, ao fazer compra numa loja na Capital Federal, foi questionada pelo vendedor que lhe perguntou:: “É menina ou menino?” E, por meio da assessoria, Damares disse que “como mulher e consumidora fui constrangida pelo vendedor na porta do provador onde experimentei uma roupa; sai da loja não pelos questionamentos, mas porque deixei de ser atendida na compra”. Já imaginaram se o vendedor tivesse ousado abrir a porta do provador para checar se ela é menina ou menino?

Antes desse episódio, Damares Alves afirmara em entrevista à GloboNews que não se arrependia da declaração que gerou grande polêmica. E, buscando amenizar o fato, disse que “o governo Bolsonaro não vai acabar com nenhum direito adquirido pela população LGBTi”.

Aliás, a direção da Associação Nacional de Travestis e Transexuais disse que a atitude da pastora evangélica na função de ministra “é uma clara demonstração de sarcasmo contra o avanço das discussões sobre diversidade de gênero”. Na nota, a instituição afirma que “a realidade de nosso país concentra o maior número de assassinatos de travestis, mulheres transexuais, homens trans e demais pessoas trans pelo não enquadramento à regra do azul e do rosa. Pessoas são expulsas de casa pelos pais porque não querem usar estas cores ou se encaixar a essa regra completamente abusiva e limitante. Acumulamos 82% de exclusão escolar de travestis e transexuais. Uma situação que aumenta a vulnerabilidade dessa população e favorece os altos índices de violência a que estamos expostas no trânsito do dia a dia”.

Afinal, estimados leitores d’O Folha de Minas, qual o espantalho que criou o conceito de que azul é cor de menino e o rosa de menina? Será que a Damares decifrou esse tal fundamento em algum pergaminho bíblico ainda em análise científica? Ou terá ela descoberto uma pintura rupestre numa caverna com a figura de Adão e Eva, ambos cobrindo as genitálias com folhas de parreira azul e rosa, respectivamente?

Bem, não vale avançar nessa bobagem. O trem conduzido pelo maquinista Messias Bolsonaro tem a obrigação de resolver os graves problemas que aflige a esmagadora maioria da população na saúde, educação, habitação, alimentação, segurança e transporte, entre outras necessidades básicas de sobrevivência. Coisa que no Brasil significa grande aventura. Que ele não deixe esmolando nos trilhos da linha férrea parte dos seus 57.797.847 eleitores em situação de miserabilidade, obtidos nas eleições, contra os 47.040.906 eleitores do adversário. Do total de 147.306.294 eleitores aptos a votar no 2º turno, 31.371.704 deles se abstiveram. Essa diferença, por certo, foi diferencial.

Os eleitores de Messias botaram cegamente fé no mito e, portanto, que ele, inexperiente, “faça como o velho marinheiro, que durante o nevoeiro, leva o barco devagar”. Perdão, o trem!

 

LENIN NOVAES* é jornalista e produtor cultural. Co-autor do livro Cantando para não enlouquecer, biografia da cantora Elza Soares, com José Louzeiro. Criou e promoveu o Concurso Nacional de Poesia para jornalistas, em homenagem ao poeta Carlos Drummond de Andrade. É um dos coordenadores do Festival de Choro do Rio, realizado pelo Museu da Imagem e do Som - MIS

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