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A VELA E O FOGO

foto: morguefile.com
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A vela é somente vela quando tem o fogo a tremelicar com o vento. Desenha formas desordenadas nas paredes, dá vida ao breu, entretém as pessoas, e é o motivo de brincadeiras de crianças, quando juntam os dedos das mãos e fazem teatro nas paredes.

Os pratos são servidos romanticamente por elas, quando um casal se junta e comemora, em brinde ao casamento do futuro ou de outrora, lira de muitos anos vividos, amancebados, ou então a aurora de um amor nascendo nos seres aconchegados.

A vela é somente vela quando o corpo é velado, e se despedem do morto, em choros, abraços, saudades, desejando que a longa viagem não termine em trevas. O fogo é outra vida.

A vela é aniversário, é comemorar de anos, passar do tempo, e elas vão se multiplicando a cada ano vivido, desejando todos que elas se repitam.

Ela conduz o viajante pela estrada escura, é protegido o fogo com a mão em borco como se fosse uma lamparina, dessas que se veem nas carruagens. Ela conduz o morador por entre os quartos escuros, e verificado cada ponto, cada barulho estranho, como se andasse em um labirinto.

Ela segue na procissão, repetida de mão em mão, adorando a imagem que segue no andor, carregada nos ombros dos homens. É a virgem iluminada unindo corações. A derramar suas lágrimas quentes que escorregam nas mãos trêmulas dos jovens na primeira comunhão.

O que seria da vela, se não existisse o fogo?

Seria apenas um pedaço de sebo, parafina, esquecida em uma gaveta, com a caixa de fósforos ao seu lado, preparadas para o chamado de emergência ou da comemoração, reunindo os homens ou dando ao solitário a companhia.

Está na mansão ou no casebre, no castelo, nas igrejas, caminhando com o santo e o seu capuz na estrada, ou o homem impuro, preso na tocaia, ela a vela, ele o fogo, companheiros inseparáveis que se transformam em luz.

Nilson Lattari

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Crônicas e Contos

NILSON LATTARI é carioca e atualmente morando em Juiz de Fora (MG). Escritor e blogueiro no site www.nilsonlattari.com.br, vencedor duas vezes do Prêmio UFF de Literatura (2011 e 2014) e Prêmio Darcy Ribeiro (Ribeirão Preto 2014). Finalista em livro de contos no Prêmio SESC de Literatura 2013 e em romance no Prêmio Rio de Literatura 2016. Menções honrosas em crônicas, contos e poesias. Foi operador financeiro, mas lidar com números não é o mesmo que lidar com palavras. "Ambos levam ao infinito, porém, em veículos diferentes. As palavras, no entanto, são as únicas que podem se valer da imaginação para um universo inexato e sem explicação".

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