Coluna

VALENTE

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Duas imagens me marcaram muito nesta semana; as duas acima. Em países distantes, em hemisférios contrários, língua e cultura diferente, as mensagens exortam à valentia. A valentia contra inimigos poderosos, um uma força armada, ostensiva, outra uma força também poderosa, oculta. Ambas, no entanto, atrás de um balcão, de negócios, como se fundam as forças que obrigam as pessoas a serem valentes e não a viver simplesmente suas vidas comuns.

Por trás da expressão apreensiva, até a expressão raivosa, uma amputação obriga as duas a lutarem. Por que não ser livre simplesmente ao se dirigir para casa, ou por que não ser livre simplesmente para respeitarem a casa onde se vive, onde nasceu?

O dilema segue a toda força quando andar pelas ruas é tão perigoso quanto andar  pelo seu país. Medo do assaltante, do preconceituoso ou do misógino que nos agridem por uma sobrevivência, ou por seus ódios; quanto ao medo de um semelhante que acha que o outro tem que sobreviver de acordo com o seu modo de viver, por suposta sobrevivência, ou também por ódio. Dois seres que vivem confinados em pequenos espaços, pelo simples fato de serem, estarem e existirem ali.

Até quando será necessária a valentia para conseguir coisas básicas? Fadil Abul Selmi morreu lutando com pedras, mesmo que sem as pernas para impulsioná-las, apenas a força do seu próprio corpo. Ao mesmo tempo, uma mulher desconhecida ostenta sua expressão agarrada a um cartaz que diz tudo, a própria condição de ser mulher e poder se dirigir, livremente, a caminho de casa.

Devem existir horas em que ser valente cansa, ou o valente está simplesmente cansado de se imiscuir dos problemas, portanto, um valente é cansado sempre, mesmo quando caminha até sua casa, ou roda suas pernas até ela, em tempos de paz, ou em tempos de guerra.

O que fica marcada é a valentia, a coragem. O que podem fazer cartazes empunhados em uma “calle” qualquer do mundo, e as pequenas pedras lançadas em uma funda bíblica em uma terra pedregosa e deserta? Para que se luta, ou até mesmo, por que temos que lutar por coisas que são básicas?

O que falta para que nós possamos viver simplesmente?

Resolvo trazer as valentias dos que enfrentam as forças policiais ou econômicas para o enfrentamento e a valentia do cotidiano. O que nos impede de fazer as pequenas coisas que nos dão prazer? Responsabilidades? Talvez sim. Mas a responsabilidade para com o outro, para com nosso ambiente tem um limite. Até quando precisamos tirar a liberdade de poder caminhar livre até os nossos desejos, realmente separando o que achamos que é profundamente necessário, e aquilo que pode ficar para depois, mais tarde, em troca de um pequeno prazer no dia a dia, até que as coisas consertem por elas mesmas. Os cartazes nas ruas exprimem nosso desassossego, mas não resolvem nada, as pedras, mesmo que atiradas com raiva, não resolvem os problemas. Se aqueles dois seres são capazes de serem valentes nos enfrentamentos, a valentia de romper com pequenas coisas deve ser mais fácil, ou nossa covardia é bem maior do que pensamos.

Nilson Lattari

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Crônicas e Contos

NILSON LATTARI é carioca e atualmente morando em Juiz de Fora (MG). Escritor e blogueiro no site www.nilsonlattari.com.br, vencedor duas vezes do Prêmio UFF de Literatura (2011 e 2014) e Prêmio Darcy Ribeiro (Ribeirão Preto 2014). Finalista em livro de contos no Prêmio SESC de Literatura 2013 e em romance no Prêmio Rio de Literatura 2016. Menções honrosas em crônicas, contos e poesias. Foi operador financeiro, mas lidar com números não é o mesmo que lidar com palavras. "Ambos levam ao infinito, porém, em veículos diferentes. As palavras, no entanto, são as únicas que podem se valer da imaginação para um universo inexato e sem explicação".

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