Rio de Janeiro - O poeta e romancista, Jorge Luis Borges dizia que o escritor publica um livro para livra-se dele.
Lembrei do Fortuna.
Fortuna era exatamente o contrário. Não queria se livrar de suas criações. Extremamente metódico e detalhista, passava horas e horas - às vezes dias - fazendo e refazendo um único texto ou desenho. Não tinha pressa de livrar-se deles. Divertia-se modificando um parágrafo, uma frase, o nariz, a boca ou outro detalhe qualquer que achava que não estava perfeito em seus textos ou desenhos.
Por isso sua produção de 45 anos de trabalho é relativamente pequena. Apesar de escrever muito bem, tem pouquíssimos textos publicados. Millôr Fernandes chegou a declarar que "Fortuna seria um grande escritor, se escrevesse".
Pessoalmente, conheci pouco Fortuna. Mas conheço grande parte de sua obra. Ou o que ele “livrou-se” dela.
Reginaldo José de Azevedo Fortuna, nasceu em São Luís do Maranhão, em 1931. Aos 16 anos mudou-se para o Rio de Janeiro, onde iniciou a carreira publicando trabalhos nas revistas infantis Sesinho, Vida Infantil, Vida Juvenil e Tico-Tico.
Em 1959, foi trabalhar na revista Senhor , onde conheceu o cartunista Jaguar. Na década de 60 edita, junto com Ziraldo, a seção de humor “O Centavo”, publicada na revista“O Cruzeiro".
Em 1964, trabalhou como diretor de arte na revista Pif-Paf, dirigida por Millôr Fernandes. Em 1965, foi para o jornal 'Correio da Manhã', levado pelo editor Antônio Callado, que o considerava 'líder de um cartunismo editorial', e deu a ele o epiteto de 'cartunista dos cartunistas'.
Em 1969 - junto com Tarso de Castro, Jaguar, Sérgio Cabral, Ziraldo e Henfil, entre outros - fez parte da equipe que criou o semanário ‘O Pasquim’. Foi n´O Pasquim que Fortuna criou seus personagens mais longevos. ‘Madame e seus Bichos Muito Loucos’. Jaguar classifica a proposta da tira como surreal. As histórias da senhora arrogante e seu cão bigodudo e um tanto filósofo, passaram a sair em 1975, na revista 'O Bicho'. idealizada pelo próprio Fortuna. A revista durou oito exemplares, hoje disputados nos sebos a preços estratosféricos.
Em 1975, edita pela Codecri a revista O Bicho e muda-se para São Paulo, onde, dois anos depois, inicia uma parceria com Tarso de Castro no suplemento Folhetim, publicado pelo jornal Folha de São Paulo. A parceria se estende ao semanário Enfim (1979) e à revista Careta (1980).
Como escritor, publica os livros Hay Gobierno! (1986); Aberto para Balanço (1980); Diz, Logotipo (1990); e Acho Tudo Muito Estranho, em 1992.
Millôr Fernandes dizia que o grande mal do Fortuna é que todo o mundo o levava a sério. Nunca foi tratado com a hilaridade que merecia.
Seu nome é uma ironia. Nunca ganhou o quanto merecia. Começou desenhando sob o pseudônimo de Ricardo Forte. Outra ironia. Passou a assinar Fortuna por sugestão do Millôr, com quem trabalhava na revista 'A Cigarra'.
Fortuna era incrivelmente culto. Lia, diariamente, vários jornais e livros. Era amigo de vários escritores, entre eles, Otto Maria Carpeaux, com quem trabalhou no ‘Diário da Manhã’. Há referências, tanto na família como entre os amigos, de que desejava ser escritor, mas acabou cartunista.
Vítima de um enfarte, Fortuna morreu no dia 5 de setembro 1994, aos 63 anos, em São Paulo.
Sobre ele, Millôr Fernandes escreveu em 'Retratos em 3 x 4 de alguns amigos 6 x 9', em 1969: “Tem trinta e poucos anos de altura, a personalidade dele mesmo, riso hipotético, traço desconfiado e é tarado por coisas que detesta. Perfeccionista nato, entre suas descobertas estão o furo da rosca, o oco exterior e a moeda sem coroa. Profundo humorista, fica triste sempre que o levam a sério; acha que nunca foi tratado com a hilaridade que merece”.
Em 1995, no Salão de Humor de Piracicaba, foi criada a medalha Reginaldo Fortuna, concedida aos grandes cartunistas brasileiros.
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