Coluna

34 ANOS DE "CHEGA DE SAUDADE"

Rio de Janeiro - Outro dia, estive com o jornalista e escritor Ruy Castro, na Livraria Travessa, no Leblon. Por acaso, eu estava com seu livro “Chega de Saudade - A história e as histórias da Bossa Nova”, editado pela Companhia das Letras, em outubro de 1990.

Um livro grande (464 páginas), já bem gasto.  Ele pegou o livro, autografou e emendou: “Ediel, este livro já está meio defasado. A Companhia das Letras lançou uma nova edição, em 2016, revista, ampliada e definitiva”.

Fui atrás do livro.  Constatei que o tempo somente fez bem a "Chega de Saudade". O livro chega aos 34 anos com o justo status de bíblia da Bossa Nova. E - outra constatação - o tempo  jamais ofuscou o brilho estável de um livro que, como a Bossa Nova, parece eterno.

Para Ruy Castro - quando escreveu o livro, em 1990 - a bossa nova era João Gilberto (1931 – 2019). O livro do Ruy parte da saga de João Gilberto, um jovem que parte de Juazeiro, na Bahia (BA) para o Rio de Janeiro (RJ), com escala em Salvador (BA) e Diamantina (MG). A trilha sonora era a batida diferente do violão de João que mudou a música brasileira ao sintetizar a cadência do samba nas cordas do violão.  

Arquivo pessoal - 

Acrescida de vasta “cançãografia”, a edição revista de “Chega de Saudade” depura o texto da edição original de 1990 e conta histórias novas como a de Pacifico Mascarenhas que morreu na semana passada (9), aos 89 anos, em Belo Horizonte. 

A história está na crônica de hoje de Ruy Castro, na Folha de São Paulo. 

Ruy Castro escreveu: “Pacifico Mascarenhas era um garoto de 21 anos, de férias com seus parentes em Diamantina (MG), em 1956. Gostava de violão e ficou sabendo de um músico de passagem pela cidade: um rapaz baiano, João Gilberto, hospedado na casa da irmã Dadainha. Nosso herói, chamado Pacifico, foi procurá-lo. Bateu palmas no portão e o próprio João Gilberto atendeu. Pacifico se apresentou, falaram de violão e João Gilberto convidou-o a entrar.

João Gilberto contou que era músico profissional no Rio e trabalhara na Rádio Tupi. Estava dando um tempo na casa da irmã, concentrado em algumas ideias sobre um novo ritmo no violão. E mostrou a Pacifico uma batida sincopada, diferente, cheia de divisões difíceis. Pacifico gostou. Falaram-se mais algumas vezes e Pacifico voltou para Belo Horizonte, onde morava com os pais. Dois anos depois, em 1958, escutando rádio, reconheceu a voz e a batida do violão. Era "Chega de Saudade", com João Gilberto. E aquele ritmo se chamava bossa nova.

Gostava da comparação que fiz em meu livro "Chega de Saudade", de que seu encontro com João Gilberto lembrava o camponês de Stendhal, que, ao arar a terra e ouvir os canhões ao longe, não sabia que estava em meio à guerra de Waterloo. Pacifico, sem saber, ouvira o primeiro rascunho da bossa nova.

O próprio Pacifico teve uma bela carreira musical em Minas Gerais, com reflexos nacionais. É autor de canções como "Demolição", "Minha Ex-Namorada" e "Começou de Brincadeira", que quase toda a bossa nova gravou, e criador do conjunto Sambacana, que revelou Milton Nascimento...".

A nova edição de “Chega de Saudade” está imperdível;  mas, a minha velha edição, de 1990, é histórica e impagável. Principalmente, agora, com a assinatura do Ruy Castro.

Ediel Ribeiro (RJ)

702 Posts

Coluna do Ediel

Ediel Ribeiro é carioca. Jornalista, cartunista e escritor. Co-autor (junto com Sheila Ferreira) do romance "Sonhos são Azuis". É colunista dos jornais O Dia (RJ) e O Folha de Minas (MG). Autor da tira de humor ácido "Patty & Fatty" publicadas nos jornais "Expresso" (RJ) e "O Municipal" (RJ) e Editor dos jornais de humor "Cartoon" e "Hic!". O autor mora atualmente no Rio de Janeiro, entre um bar e outro.

Comentários