Acredita-se em Brasília que uma das razões de o presidente Jair Bolsonaro (PL) exigir a autorização dos pais para que as crianças de 5 a 11 anos sejam vacinadas seja o receio de que um bando de crianças cheguem aos postos de vacinação dirigindo os carros dos pais, sem autorização e visivelmente embriagados.
Verdade ou não, o que complica as coisas para as crianças é que o governo está preocupado que o gasto com a compra das vacinas para as crianças impeça a liberação de verbas milionárias para o Centrão.
A Anvisa aprovou a aplicação do imunizante da Pfizer destinado a crianças entre 5 e 11 anos mas, por pressão do presidente Jair Bolsonaro, o Ministério da Saúde decidiu abrir uma consulta pública, inédita para casos como esse, para saber o que pensa a sociedade sobre o tema. A medida visa postergar a aplicação da vacina, já recomendada pela Anvisa.
Para resolver a questão, o presidente chamou, às pressas, o ministro da Saúde ao Palácio do Planalto.
- Queiroga, precisamos resolver essa ‘cuestão’dai das vacinas das crianças, taokey? Nós não temos mais dinheiro para gastar com vacinas. O orçamento tá apertado. Daqui a pouco nós vamos estourar o teto de gastos. E como é que eu vou fazer para liberar verba para os parlamentares não botarem em votação os mais de 100 pedidos de impeachment contra minha pessoa? Como dar R$ 1,7 bilhão para o aumento aos policiais federais, para que eles não combatam minhas disseminação de notícias falsas sobre as urnas eletrônicas, sobre as vacinas, o desmatamento ilegal, não prendam meus filhos, não investigem a rachadinha? Como é que a gente vai fazer para arranjar dinheiro pra comprar vacinas e liberar dinheiro para as ‘emendas do relator’, ‘orçamento secreto’ e irrigar as nossas bases? Isso vai prejudicar a nossa política do toma-lá-dá-cá.
- Presidente, esse movimento a favor da vacinação das crianças é um movimento dos médicos de esquerda da Anvisa para desestabilizar o seu governo. Estão morrendo poucas crianças. A quantidade de óbito de crianças no país pela Covid-19 ainda não justifica uma campanha de vacinação para essa faixa etária.
- E o que é que a gente vai fazer quanto essa ‘cuestão’? Você acha que devem morrer mais quantas crianças? Faz aí uma consulta popular. Pergunte aos pais quem é a favor de que seus filhos sejam vacinados.
- Não se preocupe, presidente. Vou começar hoje mesmo o plebiscito. Isso com certeza vai atrasar a vacinação pelo menos até o ano que vem. É tempo suficiente para o senhor liberar as verbas para seus aliados. E depois, os nossos 'robôs' certamente vão dar a vitória para o “não à vacinação das crianças”.
- Mas, ministro, os médicos já tiveram uma reunião técnica e a manifestação foi unânime pela vacinação das crianças, afirmou o secretário de comunicação da presidência.
- Só a autorização da Anvisa não é suficiente, disse Queiroga.
- Vão fazer um plebiscito para saber se vacina ou não vacina? Mas essa é uma decisão técnica e não popular, disse o secretário.
Na artilharia contra a ciência, Bolsonaro subiu o tom com ataques à Anvisa,e ameaçou expor o nome dos funcionários que trabalharam na análise da imunização de crianças:
- Eu quero o nome das pessoas que aprovaram a vacina para crianças a partir de 5 anos.
- Presidente, a vacina em crianças a partir dos 5 anos já está sendo aplicada no mundo todo. O Brasil já registrou 6.163 casos e 301 mortes de crianças pela doença desde o início da pandemia. Quantos ainda precisarão morrer?, perguntou o secretário.
- No tocante a isso daí, o Queiroga é que sabe. Foi pra isso que eu escolhi ele para ministro da Saúde.
- Esse, claramente, não é um tema para consulta pública. Até porque temos aí uma variante nova, logo teremos o retorno às aulas. Não dá para sobrecarregar o sistema de saúde com novos casos, novas internações, afirmou o secretário.
- Nós devemos respeitar o direito dos pais de vacinar ou não seus filhos, afirmou o ministro.
- Mas, ministro, a ideia não é obrigar ninguém a vacinar as crianças. No entanto, os pais que quiserem vacinar seus filhos precisam ter a vacina à disposição. O governo não pode negar esse direito à população.
- Mas, e se as crianças forem aos postos de vacinação sem autorização dos pais?, perguntou o presidente.
- Já sei, vamos exigir receita médica. E carteira de motorista, concluiu o ministro.
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