Lábios poéticos se escondem por trás da burca.
Em um momento tão conturbado para a população afegã - em especial para as mulheres - lembramos através da poeta afegã, Nadia Anjum (1980-2005) a vida marcada por insurgências silenciosas, pelo secreto exercício de resistência, em meio à fúria fundamentalista do regime talibã, das mulheres poetas do Afeganistão.
A brutalidade sofrida pela poeta Nadia Anjuman - assassinada pelo próprio marido, aos 25 anos - é um alerta triste, porém não incomum, a realidade de um mundo que despreza a poesia.
A poeta não está mais entre nós, mas sua poesia jamais será esquecida.
HISTÓRIAS TRÁGICAS
Oh histórias trágicas
Encontraram uma morada em nossos corações.
Esses olhos tristes, essas bochechas fundas e amarelas
São as marcas sombrias de tua presença
Oh galhos da dor
Cem primaveras e outonos indo e vindo
Brotos murchos com corações dilacerados
Cem bloqueios e cem caravanas passam
O Faraó morre e a história de Nimrod termina
Ainda que estejas jovem e fresco
Recém saído do útero do jardim
Oh miséria ardente
Deixe a expansão de nossos corações
Não são as únicas coisas pelas quais vale a pena queimar
Por uma única vez, passe na casa de outro
Oh histórias trágicas
Sua companhia nos oprime
Se não buscam uma nova casa, devem ter cuidado
Amanhã vamos deixar as tristes ruínas da vida
E vocês ficarão miseráveis e descobertas
No limbo do tempo
Sem qualquer morada
UM PRANTO SURDO
O som dos verdes rastros está na chuva
Chega até nós desde a estrada
Almas sedentas e saias empoeiradas chegaram do deserto
Seu hálito ardente e a miragem-fundida
De suas bocas secas e cobertas de pó
Nos chegam, agora, desde a estrada
Seus corpos atormentados, meninas criadas na dor
A alegria longe de seus rostos
Corações velhos e repletos de rachaduras
Não surgem sorrisos nos oceanos inóspitos de seus lábios
Nem uma lágrima brota do seco canal de seus olhos
Oh, Deus!
Poderia ignorar se seus gritos surdos que saltaram do céu,
Alcançam as nuvens?
O som dos verdes rastros permanece na chuva
MEMÓRIAS DE LEVE TRISTEZA
Oh exilados da montanha do esquecimento!
Oh joia de seus nomes, dormindo na lama do silêncio
Oh memórias destruídas, memórias de leve tristeza
Na mente turva de uma onda no mar do esquecimento
Onde está o transparente, a corrente que flui de teus pensamentos?
Que mão ladrona saqueou a estátua de ouro puro de teus sonhos?
Nesta tempestade que origina a opressão
Para onde foi teu barco, tua serena lua prateada do barco?
Depois desse frio cortante que dá à luz a morte –
O mar deveria desprender a calma
Deveria a nuvem libertar o coração nodoso de tristezas
Deveria a donzela da lua nos brindar o amor, ofertar um sorriso
Deveria a montanha adoçar seu coração, adornar-se de verde,
Tornar-se frutífera –
Qual de teus nomes, na altura do topo,
Se torna brilhante como o sol?
O amanhecer de tuas memórias
Memórias de leve tristeza
Nos olhos dos peixes cansados pelas inundações e
Temerosos da chuva da opressão,
A esperança é refletida?
Oh! exilados da montanha do esquecimento!
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