Desde de que Aysha voltou do Benin ela está mais introvertida e também mais observadora. Nos almoços e jantares de família, observa atentamente os gestos e as conversas de todos e toma nota em seu pequenino caderno de estampa divertida que trouxe da África. Quando a gente pergunta o que ela tanto escreve, ela diz que faz parte de um estudo que está fazendo sobre a ponte entre África e Brasil.
- E essa ponte está tão congestionada quanto a ponte estaiada, pequena Aysha? Brinca Tio Zulu, que veio passar as férias com a gente.
- Ah, meu tio, quem dera viu. É triste constatar, mas a ponte entre África e Brasil não tem sido muito usada, viu.
- Mais que pessimismo é esse, pequena Aysha? A mãe África acompanha a gente em cada piscadela, você só precisa ter olhos pra ver.
- Ah tio, eu consigo reconhecer que os meus ancestrais traziam muito de África em si, nos provérbios, nas casas de taipa, no samba de umbigada, na capoeira, na culinária, e ao comer com as mãos... mas a minha geração não cultiva mais nenhuma dessas tradições, isso quando não fazem chacota delas. Eu chego toda animada pra contar as minhas descobertas em torno desse paralelo entre África e a Diáspora brasileira, mas ninguém me dá ouvidos.
- É que a grande maioria dos seus amigos e primos ainda enxerga África através daqueles estereótipos super problemáticos que a mídia impõe, sabe? uma África onde apenas existe sofrimento, miséria e AIDS. E é claro que ninguém vai querer pertencer a um lugar onde só tem coisas ruins. Mas você pode ser uma ferramenta de desconstrução desses paradigmas.
- É meu tio, eu confesso que até eu descobrir que a minha composição genética está concentrada no Benin, através de um teste de ancestralidade, eu também pensava desse jeito, mas na minha viagem eu descobri que quanto mais você sabe da sua História, mais liberta você fica.
- Que bonito isso, pequena Aysha. E conta aqui pra esse velho um pouco mais dessa história com poder de libertação.
- Ah tio, se as pessoas soubessem o tanto de coisas que os brasileiros e africanos tem em comum eu tenho certeza que teríamos mais auto estima e pararíamos de ser cadelinhas do Tio Sam, bota fé? Eu tenho a impressão que nós e eles somos feitos do mesmo barro, sabe? mesmo com a diferença de idioma e de vestuário, a impressão é que a gente se entende só com o olhar...
- Ahhhh pequena, você está aprendendo rápido demais. Me passa essa tigela de mousse que eu vou me servir pela segunda vez, enquanto te conto um segredo.
Não é só impressão sua, nós realmente somos feitos do mesmo barro, temos a mesma raíz, sô. É por isso que nos sentimos tão bem na roda de samba, no coco de roda, no terreiro ou nos churrascos que fazemos aqui na laje. Presta atenção em uma coisa, os nossos traços genéticos e culturais também estão relacionados com a nossa localização geográfica. E povos que tem África em sua genética são mais propensos a desenvolver a matrilinearidade, a coletividade, o cooperativismo, a ancestralidade, o equilíbrio e a xenofilia. Só que não é a Escola que ensina isso pra gente, é o nosso cardíaco.
Se você sente antes de ver, é conexão ancestral, então se reaproxime e se reaproprie do que já te pertence.
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