Opinião

RAÍZES

É domingo de manhã e a casa toda já está alvoraçada, as janelas foram abertas antes mesmo do sol nascer e eu posso sentir aquele cheirinho de talco do desinfetante predileto de minha mãe. Ouço as vozes dos mais velhos cochichando baixinho para não acordar os mais novos, ouço também os ruídos do liquidificador que prepara o costumeiro suco de laranja e a vitamina de abacate para o café da manhã. Estão todos aguardando a triunfal chegada de Aysha do Benin, é que quando a minha irmã mais velha soube através do Teste de Ancestralidade MeuDNA Origens que a principal região onde estão as origens dela é o Benin, a nossa família resolveu dar de presente de 18 anos a ela uma viagem até esse país. Enquanto papai foi buscar Aysha no aeroporto, eu escolho o meu vestido mais bonito para ouvir as histórias da minha irmã, que agora é uma garota internacional. 

MULHER CARREGANDO CESTA DE FRUTAS
Arte: @jessicasarkodie

Após os abraços e beijos, a distribuição dos presentes e toda aquela explosão de ânimo ao reencontrar seus parentes após 2 semanas, Aysha entra no assunto esperado por mim ansiosamente: as histórias do Benin.

- Gente, a principal coisa que ficou marcada em mim é que não existe “ser negra” na África. Lá eu sou apenas uma garota como todas as outras. A única diferença entre eu e as beninenses é a língua, e claro, as cores alegres das vestimentas delas. 

- O primeiro lugar que eu quis conhecer foi Abomey, fiz essa escolha porque nessa cidade ainda é possível andar na mesma estrada que os nossos ancestrais andaram quando vieram para América como mão de obra forçada. Todos os escravizados que vieram para América atravessaram aquele caminho.

- Naquela época eles marcharam por essa estrada por quatro dias, essa caminhada terminava na cidade de Ouidah, de onde seriam enviados para as colônias europeias, na América. A Bahia, entre outros lugares, era o porto do desembarque. Pisar no mesmo chão que os meus primeiros ancestrais, me emocionou muito. 

- Próximo dali, em uma cidade chamada Cotonou, eu fiquei extasiada com uma árvore absurda chamada baobá. Ela é extraordinária e ficava no centro de uma praça, oferecendo sombra para as crianças que brincavam animadas ao redor dela.

- Conheci também Porto Novo, capital política do Benin e também a cidade onde se concentram os chamados Retornados, aqueles africanos escravizados que voltaram para o país africano ao conquistar a liberdade e após a abolição. Ao longo desse passeio, a minha mente não parou de tagarelar um só minuto, eu ficava pensando coisas como:  

- E se o meu ancestral não tivesse atravessado aquele caminho e sido levado para nunca mais voltar da Costa do Benim? E se não fosse assim? E se nunca o meu ancestral tivesse cruzado o Atlântico sob o comando dos escravagistas? 

- Quais os cheiros e os sabores das comidas que eu conheceria? Quais as músicas que embalariam o meu primeiro beijo? Quais as texturas das roupas eu estaria vestindo, e qual o gingado teria meu corpo, moldado pelas danças locais? Eu estava entendendo que saber um pouco das minhas raízes é como achar uma agulha no palheiro. Eu estava finalmente começando a entender o que o vovô Keita quer dizer quando afirmava que “O futuro vem do passado”. 

 

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