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DESLIGADO

Desligar, desconectar, desjuntar, desunir são alguns dos significados do desligado. Muitos andam por aí meio desligados, por vários motivos, e, entre eles, aqueles que negam a realidade.

O desligado chega ao ponto de cair em um buraco fundo e outro mais desligado ainda lhe perguntar: tudo bem? E o outro responde: tudo. Ou seja, como pode estar tudo bem quando alguém cai em um buraco e tem que acreditar que está tudo bem? No mínimo, o sujeito está dentro de um buraco.

Assim são algumas figuras no nosso entorno. Jura que está tudo bem, mesmo estando dentro de um buraco, porque é preciso manter o clima do “está tudo bem”. Só não pode rir.

PLUG DESLIGADO
Foto:Kelly Sikkema on Unsplash

O desligado tem a arte de entender os acontecimentos a partir de uma lógica própria. Tem um tipo de botão ao lado da cabeça que é acionado para justificar a mesma resposta, obedecendo as ordens de algum ente, que manda cumprir uma determinada ordem, que diz que está tudo bem, apesar de não restar nada ao redor.

Esse texto me foi motivado porque, algumas vezes, entro em discussões estéreis nas redes sociais apenas para provocar respostas estapafúrdias, os tais que acionam o botão na cabeça para uma resposta estapafúrdia ou um meme.

Em determinado momento, o sujeito argumentou que a extinção dos dinossauros aconteceu porque eles não acreditavam na Palavra. Eu argumentei que os dinos não falavam, e o sujeito respondeu que não falavam, mas eles entendiam muito bem. Claro, alguns vão dizer que era gozação, mas acredite, não era. É o ato de acionar o cérebro para a mesma resposta mais desconectada, tipo um robô que responde no automático. Ou seja, o sujeito está desligado, mas ligado, tá ligado?

É tipo uma discussão em que alguém diz que um produto vem de um determinado lugar, tipo o Butantan, e o replicante o repreende dizendo que, na verdade, o produto vem … do Butantan. 

Eu não sei se o botão liga ou desliga alguma coisa, esperando que esse liga e desliga possa causar um curto-circuito, e desligar de vez.

É alguma coisa como você ouvir uma proposta absurda, achá-la absurda, e mesmo defendendo-as, como se não fosse absurdo obedecê-la; por mais absurdo que seja.

Enfim, há o desligado por necessidade e o desligado por conveniência. O primeiro quer a distância da realidade por diversos motivos, nenhum deles por conveniência, muitas vezes por sobrevivência. Ouvir a realidade, muitas vezes, causa mais mal do que tentar entendê-la.

O desligado por conveniência é aquele que busca algum benefício, colocando na crença, mais do que na realidade, o alicerce para alcançar o seu objetivo.

Uma outra tática para desconectar a realidade… da realidade é o artifício de transformar tudo em uma imensa comédia. É a piada sem graça, completamente, desconectada do fato, argumentos infantis, o riso forçado que tenta transformar a tragédia em uma comédia, transformando a infantilidade em uma coisa normal. Naturalizando a anormalidade leva à desunião, um grande benefício para aqueles que desejam manter o controle da situação, de um grupo distraído, igual ao boneco do posto.

O caos é a consequência do botão que deixa de funcionar. E liga alguma coisa que não estava programada para acontecer.

Nilson Lattari

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Crônicas e Contos

NILSON LATTARI é carioca e atualmente morando em Juiz de Fora (MG). Escritor e blogueiro no site www.nilsonlattari.com.br, vencedor duas vezes do Prêmio UFF de Literatura (2011 e 2014) e Prêmio Darcy Ribeiro (Ribeirão Preto 2014). Finalista em livro de contos no Prêmio SESC de Literatura 2013 e em romance no Prêmio Rio de Literatura 2016. Menções honrosas em crônicas, contos e poesias. Foi operador financeiro, mas lidar com números não é o mesmo que lidar com palavras. "Ambos levam ao infinito, porém, em veículos diferentes. As palavras, no entanto, são as únicas que podem se valer da imaginação para um universo inexato e sem explicação".

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