Rio de Janeiro - “Jornalista, ilustrador, cartunista, chargista, caricaturista, cronista, resenhador, crítico e sociólogo. Quem sabe, um dia, Presidente da República.”
Era assim que Liberati se apresentava.
Anárquico e irônico, o cartunista que morreu na manhã desta sexta-feira (26) aos 71 anos, fez parte do time de estrelas da era de ouro do “Jornal do Brasil”. Foi subeditor de arte e brilhante ilustrador. Ficou durante três décadas no jornal, que ele, carinhosamente, chamava de “o old JB”.
Liberati era uma das estrelas do time de grandes ilustradores da imprensa brasileira. Foi para o JB, o que foi Mariza Dias para a “Folha de São Paulo” e o que é Marcelo Monteiro para “O Globo”.
O cartunista deixou um legado para as artes gráficas e amigos pelas redações por onde passou como a do "Jornal do Brasil", “O Estado de São Paulo", "Jornal da Tarde" e pelas revistas, "Visão" e "Veja”.
Também colaborou com veículos internacionais, como o italiano "La Repubblica" e o japonês "Yomiuri Shimbun" e com os jornais alternativos “Movimento”, “Pasquim” e “Cartoon”.
Além de atuar na imprensa, ilustrou livros, fez a capa do álbum “Samba Jazz Alley”, de Antonio Adolfo e, em 1995, publicou o seu livro "Era uma vez um Brasil: história espremida de Cabral a FHC".
Apesar de admirar seu trabalho no JB, meus contatos com Liberati foram poucos, porém marcantes. Primeiro, nos anos 90, quando publiquei no jornal “Cartoon” uma charge sua em que ele ironizava o ex- presidente Collor de Mello e depois, quando ele participou do “Encontro Anual dos Cartunistas”, em 2003.
Um dos seus grandes amigos foi o cartunista Ique Worthington. Trabalharam juntos durante anos na redação de arte do JB, numa sala no sexto andar do prédio de número 500, da Avenida Brasil.
Ique conta que aprendeu muito com o amigo: “Um artista muito atento, muito detalhista e um apaixonado que vivia experimentando todo o tipo de material em sua arte. Era um ilustrador fabuloso, com uma cultura invejável e um cartunista de mão cheia. Tinha muitas histórias, dele e com ele, que contavámos no Lamas, no Cervantes e nos bares que frequentávamos (irônicamente, Liberati só bebia Coca-Cola, de garafa), nas madrugadas pós-pescoção ou pós-fechamento com a turma do jornal”, conta.
Numa dessas histórias, Ique conta que a sala de arte, no tempo em que ainda se fumava nas redações, vivia enfumaçada. “Eu sempre briguei muito contra isso. Nunca fumei e a fumaça do cigarro me incomodava. Nós usávamos um verniz fixador de cheiro muito forte, que ele odiava. Quando descobri isso, passei a negociar com ele e os outros fumantes da sala, que eu sairia pra aplicar o verniz na oficina, se todos fossem fumar fora da nossa pequena sala da arte. Acho que foi um dos primeiros movimentos contra o fumo em locais fechados, e pode ter estimulado o Liberati a abandonar o cigarro, como ele fez”, diz.
O cartunista Claudius, foi outro amigo. Claudius morava em Genebra quando recebeu de uma amiga que morava em Paris um envelope cheio de desenhos de um jovem, para que ele desse sua opinião. Eram charges, ilustrações, HQs e cartuns. Claudius ficou impressionado com a qualidade das ilustrações. “Foi um alívio: dava para falar bem do tal Bruno”, disse. Muitos anos depois, já instalado em Laranjeiras, no Rio de Janeiro, Claudius abriu o JB e identificou no traço de um certo Liberati as características que havia retido na memória, apesar do tempo consideravelmente grande que separava os dois momentos. Tratava-se, sem sombra de dúvida, da mesma pessoa. “Acertei em cheio”, pensou. A partir daí, ficaram amigos e Liberati convidou Claudius para escrever o prefácio de seu livro, onde ele conta, em detalhes, essa história.
O livro do Liberati, embora difícil de encontrar, vale a pena ser lido. É uma aula de história política brasileira, em charges primorosas. Nem Liberati tinha. Um dia, por acaso, encontrou um exemplar num sebo, dedicado a um leitor desconhecido. Comprou o próprio livro.
Eu também compraria. Vale a pena.
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